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Uso dos tokens faz do Brasil expoente da criptoeconomia no mundo

Diretor de Educação e Pesquisa da Abcripto, Fábio Moraes comenta sobre a tokenização no País
Uso dos tokens faz do Brasil expoente da criptoeconomia no mundo
Foto: Arquivo pessoal

O avanço da tokenização no Brasil já é uma realidade, com casos concretos de aplicação no mercado financeiro e setores estratégicos da economia. Segundo o estudo “Tokenização – Casos e Possibilidades”, desenvolvido pela Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABcripto), iniciativas bem-sucedidas mostram como a digitalização de ativos está transformando o cenário de investimentos no País. 

E é sobre isso que nesta edição da página Vanguarda, o Diário do Comércio conversa com exclusividade com o diretor de Educação e Pesquisa da Abcripto, Fábio Moraes.

Apesar de não ser uma novidade, muita gente ainda tem dificuldade com os termos da economia digital. Qual a diferença entre token e criptomoeda e porque a tokenização é tão bem aceita pela população brasileira?

Há cerca de 15 anos, começou-se a falar nesse assunto. O Bitcoin surgiu em 2008 mais ou menos. Então, é um assunto novo e, realmente, o nosso papel como associação é levar a educação às pessoas, ajudando para que elas possam utilizar esses produtos de forma adequada, que não caiam em armadilhas. Então, nós estamos aqui para tentar deixar fácil para as pessoas, porque realmente são muitas letras, siglas, conceitos. O cripto vem de criptografia, isto é, tudo que roda nessas redes da criptoeconomia é criptografado. Quando você transmite uma informação do seu computador para o seu banco, aquilo vai ser criptografado. Ninguém consegue saber o que você está mandando. A criptoeconomia, além dos sistemas criptográficos, traz como novidade o uso de um tipo de rede, que a gente chama de rede descentralizada. Não existe um dono dessa rede, um proprietário. E a forma como os dados são armazenados nessa rede também é uma novidade. Só para te dar o exemplo do Bitcoin: para você colocar um bloco de conteúdo novo na rede, tem que haver o consenso entre todas as pessoas da rede. Isto é, não tem como um espertinho ir lá e colocar um bloco errado, você tem que provar que aquele algoritmo está correto. São blocos encadeados, por isso se fala blockchain, que tem essa característica de ser algo colaborativo. Então, quando falamos de criptoeconomia é um sistema colaborativo descentralizado e que tem como grande vantagem ser totalmente rastreável. Isso vai fazer com que as transações fiquem mais baratas e reduzir custos para o consumidor, crescendo em velocidade e confiabilidade. Por isso a educação financeira é tão importante, seja para a economia tradicional ou seja para a criptoeconomia.

E, na verdade, os cuidados são muito parecidos no mundo físico e no digital?

Exatamente. Se você não passa informação para terceiros em que você não confia, não clica em qualquer link que você recebe no e-mail ou que você viu em uma página. E tem outro tipo de erro que não é tecnológico, eu diria que é uma ambição humana. Alguém chega para você e fala, olha, compra esse negócio aqui que vai te dar um rendimento de 30% ao mês. Aí você pensa assim, “poxa, 30% ao mês? Mas no banco eu consigo só 1% ao mês.” Está na cara que tem alguma coisa errada ali. E aí eu vou falar desse assunto, que são as pirâmides, né? As pirâmides existem há muito tempo. Isso é algo antigo, mas por que a pessoa cai? É a tal ambição humana de querer, às vezes, levar uma vantagem. Vai fazer um investimento? Procure alguém de confiança, o gerente do seu banco, algum assessor financeiro que você tem ou algum parente seu que conhece, mas não vá entrar em qualquer arapuca sem tomar cuidado. Isso vale para tudo na vida. Então a criptoeconomia não mudou nada. No fundo, mudou só a arquitetura tecnológica.

Aproveitando que você falou dos tokens, o que são eles e por que eles são tão bem aceitos pela população brasileira? Isso tem a ver com a nossa experiência com a economia em crise por tanto tempo?

Sim, da crise surgem as oportunidades. O brasileiro, por ter vivido durante décadas num sistema hiperinflacionário, nas décadas de 1980 e 1990, sabe que isso fez com que o nosso sistema evoluísse em busca de segurança. O token é uma representação de algo. Uma cédula de dinheiro também é um token. O que muda do token físico para o token digital é que o segundo fica armazenado nas redes blockchain. Qualquer criptomoeda é um token porque ela representa uma moeda. Isso é algo que está surgindo.

Dando um exemplo prático: ninguém vende e nem compra meio apartamento, certo? A tokenização na criptoeconomia permite que seja possível comprar uma fração de um apartamento. O proprietário tokeniza aquele imóvel, então ele vai dividir a propriedade em 100 pedacinhos e pode vender no mercado uma centésima parte dele. Eu como investidor, compro. O apartamento vai valorizar e o meu token também. Amanhã ou depois eu não quero mais esse pedacinho, vendo no mercado secundário. Olha que revolução! E como esse tipo de sistema possibilita que pessoas que não tinham condição de investir no mercado imobiliário possam começar. E aí, se aqueles apartamentos forem estúdios para aluguel, eu, com a minha parte, vou receber um pedacinho do aluguel que o inquilino vai pagar. Então, eu começo a gerar renda de uma forma que antes eu não poderia. Por isso digo que a tokenização e a criptoeconomia vieram para democratizar o acesso a produtos financeiros e aos investimentos.

Os níveis de investimento da população brasileira são muito baixos. Então, a tokenização pode ajudar nisso também?

E em relação à criptoeconomia, a quantidade de brasileiros que já fizeram algum tipo de investimento vem crescendo de forma muito rápida. Só para te dar alguns números. O Brasil tem 5 milhões de CPFs que investem em bolsa de valores. CPFs que investem em criptoeconomia já são quase 10 milhões. Então já temos quase o dobro de brasileiros que já fizeram algum tipo de investimento ou compraram algum tipo de criptomoeda ou token. Que compra títulos bancários, que existem há muito tempo, são 16 milhões de brasileiros. Daqui a pouco o número de brasileiros que investem em criptoeconomia vai ultrapassar a quantidade de brasileiros que investem em títulos públicos. Isso acontece por causa da possibilidade de fracionamento. Você não precisa comprar um Bitcoin, você pode comprar um pedacinho do Bitcoin. Você pode comprar R$ 100 de Bitcoin, por exemplo, que é uma pequena fração. E no caso dos tokens, a mesma coisa. Você faz investimento em algum produto com um ativo por trás, com um valor pequeno e dessa forma, as pessoas podem experimentar. Então não tenho a menor dúvida de que esse sistema novo vai se expandir muito rapidamente.

Falamos do mercado imobiliário, assistimos muitas notícias dos clubes de futebol utilizando os tokens de diferentes formas. Em quais outros setores a gente já pode ver isso com mais frequência, já estão mais maduros na criptoeconomia?

O exemplo do mercado imobiliário eu sempre uso porque é didático, mas esse é um mercado ainda embrionário. No clube de futebol é interessante. Eu posso comprar um token do meu time do coração e aí quando o jogador for vendido eu recebo uma remuneração pela venda deste jogador, por exemplo. Isso aconteceu com o Santos quando vendeu o Neymar. Quem tinha comprado o token do Santos foi remunerado. É uma coisa bem interessante, muito criativa. Agora o que mais temos hoje são tokens ligados a ativos de crédito. Se a empresa tem uma carteira de recebíveis, por exemplo, ela pode vender essa carteira da forma tradicional ou pode tokenizar. Quase tudo que tiver um ativo que representa um direito pode ser transformado em um token. No agronegócio é a mesma coisa, se eu quiser comprar soja no mercado futuro, eu vou lá e compro, mas eu posso comprar também, de forma tokenizada, um pouquinho daquela safra de soja que vai ocorrer no final do ano, por exemplo. Se eu quiser contribuir para a redução da pegada de carbono e investir numa empresa que faz esse tipo de ação, posso comprar um token dessa empresa que a qualquer dividendo que ocorra na empresa, eu sou remunerado ou nem sou, se o meu intuito for só contribuir com a causa. O mercado de tokenização funciona um pouco com o mercado de crowdfunding. É como se fosse aquela famosa vaquinha eletrônica. Tanto é verdade que a CVM quando foi regularizar o sistema de tokens ela usou uma legislação muito parecida com a legislação do crowdfunding, porque no fundo tem um mecanismo parecido, essa coisa da democratização, da divisão. Por isso que, mais uma vez, eu insisto em dizer que a criptoeconomia democratiza a economia.

Falando em legislação, no Brasil já temos o Marco Legal dos Ativos Virtuais, que é uma lei importante. Para além do Marco Legal, como você avalia a nossa legislação? Ela está em linha com o que acontece no mundo?

Sim, a Lei 14478, que foi o marco do processo de regulamentação. Essa lei exigia complementaridade e o Banco Central está trabalhando nisso. É muito necessário que, quem for trabalhar nesse mercado, seja pessoa idônea, que tenha registro, que se estabeleça no País para você saber para quem reclamar quando acontecer algum problema. Então, tudo isso, a legislação vai proporcionar. As empresas que forem trabalhar nesse mercado vão ter que ser registradas, seguir procedimentos de compliance. Isso ainda está em fase de elaboração. A ABCripto trabalhou fortemente nas consultas públicas e entregou para o Banco Central as suas considerações. Muitas empresas fizeram isso. Isso é bacana, um processo a várias mãos normalmente funciona melhor que um processo com uma mão só. Então a regulamentação vai ser finalizada em breve. Em paralelo a isso, existe um sistema que eu acredito muito, que é o sistema autorregulação. A ABCripto tem um código de autorregulação. Aqueles que estão em conformidade com esse código ganham um selo. Essa é uma tendência mundial, a Europa está em processo de regulamentação também, a Ásia, Estados Unidos, todos os países estão se regulando. Quando se pensou na criptoeconomia, logo no início, achava-se que seria um sistema sem regulação, mas isso é praticamente impossível, porque vai ficando complexo, mais agentes vão entrando, vão se criando riscos para a poupança das pessoas e isso você consegue reverter com sistemas regulatórios, com garantias, separando o joio do trigo e deixando as empresas idôneas trabalharem no mercado.

Você tem um último conselho para quem quer entender sobre a criptoeconomia, seja para investir ou trabalhar nela?

Eu queria reforçar que a ABCripto está aí pra ajudar e deixar um último recado: a ABcripto tem uma certificação profissional, quem quiser se certificar para mostrar para as empresas que está preparado para trabalhar. Basta entrar na nossa página, o custo é o de uma pizza. Você faz a certificação, uma chancela que nós estamos dando para você. Então, para o jovem e para aquele que quer mudar de carreira. Entre lá, faça a sua prova, isto é, invista em educação, porque educação é a única coisa que quanto mais eu gasto nela, melhor eu fico. Muitas pesquisas mostram que quanto mais anos de educação você tem, mais renda você ganha. Então fica aí o convite.

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