Opinião

A escolha de Sofia

A escolha de Sofia
Crédito: REUTERS/Ricardo Moraes

Aquiles Leonardo Diniz*

Ao contrário da literatura e filmes de ficção, o Brasil encontra-se diante de uma realidade, que para enfrentar a doença terá que escolher entre duas alternativas: ou opta pelo alongamento indefinido do contágio do coronavírus, shutdown – para que a saúde pública comporte a demanda -, ou cuida somente de idosos e doentes, liberando os demais cidadãos e evitando a destruição da economia.

Alguns defendem que poderia assegurar ambas as escolhas sem maiores consequências; talvez, mas não acredito! O que temos até então é um shutdown desenhado e nenhum plano econômico-financeiro apresentado.

Sou leigo em assuntos da medicina ou mesmo a respeito do trato de surtos epidemiológicos mundo afora. Entretanto, a dura reflexão que faço é que em se mantendo o isolamento total do território brasileiro seremos obrigados a optar pela preservação da sociedade constituída, ou enfrentaremos uma guerra de impacto social sem precedentes.

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Até agora, as medidas restritivas anunciadas pelo governo nada mais são do que o retardamento da disseminação incontrolada do coronavírus. Certo ou errado, estão ganhando tempo na tentativa de preparar a rede pública de saúde. Ato paliativo, a meu ver e, que não resolverá o problema. Até porque não existe vacina contra o novo vírus.

Adiar a contaminação não evitará que o vírus se alastre, isso é fato. Países europeus que enfrentaram o problema deixando a seleção ocorrer de forma mais natural, têm uma grande probabilidade de ter resultados mais rápidos e positivos. A doença já matou muitos e muitos mais ainda irão morrer, mas os sobreviventes estarão imunes.

Não tenho a intenção de influenciar ninguém a optar por uma ou outra alternativa, mas como cidadão me sinto na obrigação de levantar essa questão pertinente sobre o que é melhor para o Brasil. O travamento da mobilidade pública poderá resultar na deflagração do caos social com consequências desastrosas. Ou poderemos optar por uma liberação da mobilidade – preservando idosos e doentes -, já que é impossível com os recursos disponíveis controlar a pandemia, porém, com baixas certamente inferiores aos de uma sociedade em frangalhos.

O ditado popular diz que em tempos de guerra, não se limpam armas. A nossa guerra há muito é econômica, de sobrevivência de um país convalescente, que respira por aparelhos, em vias de receber alta do CTI. Mas que sofreu um forte revés atingido em cheio nos pulmões. Não podemos deixar que o sistema imunológico enfraqueça e a infecção generalizada domine o organismo, levando-o ao óbito. Nossas armas continuam sendo a busca incessante pelo crescimento sustentado, eficiência e o combate à corrupção que dilapida os nossos recursos.

Temos, portanto, que refletir e decidir qual seria o melhor caminho a trilhar. Ou liberamos parcialmente a mobilidade ou o shutdown geral. Nesse caso, com a economia paralisada, pequenas e médias empresas, bens e serviços, indústrias, e mais de 30 milhões de autônomos, sofrerão graves consequências. O desemprego hoje, na faixa dos 12%, saltará para 30%? Ou mais? Prevalecendo essa hipótese, após 90 dias já terá se instalado o caos generalizado, com insatisfações e revoltas populares colocando em xeque o poder federal.

Devemos manter todas as atividades essenciais, de forma mais ampla, e permitindo a continuidade da sociedade de forma equilibrada. A mortalidade pelo coronavírus com certeza será bem inferior se comparada à devastação provocada pelo caos social.
A estratégia de priorizar o combate à pandemia, poupando quem sabe algumas centenas de vidas, é válido, sim.

O custo, entretanto, poderá alcançar níveis altíssimos, em função da paralisação total da economia. O isolamento imediato não é exagero, mas daí a impor o shutdown cheira a irresponsabilidade.

Os cientistas preveem, em um pior cenário, algumas centenas de mortes no País, provavelmente não cheguem a tanto. Em compensação os sobreviventes estariam imunes ao novo vírus e seguiriam suas rotinas normais. São números assustadores, mas qual seria o pior cenário? São decisões altamente impopulares, politicamente indefensáveis, mas com o objetivo de garantir o bem-estar social protegendo a própria população.

A escolha brasileira de Sofia: manter o shutdown, cujos efeitos seriam de longo alcance, difícil de reverter-se no curto prazo ou permitir que ocorram algumas mortes inevitáveis por coronavírus – preservando idosos e doentes -, com consequências inferiores à catástrofe de um caos social.

Se a coragem vence a guerra, sejamos responsáveis.
Que essa a decisão não venha tarde demais!

*Analista e consultor financeiro

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