Da dor à arte: a resistência das comunidades afetadas pela mineração

A mineração é uma atividade que, há muito tempo, molda a história e a geografia do Brasil, deixando cicatrizes profundas nas comunidades que a ela estão próximas. A tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais, roubou a vida dos meus filhos, Camila e Luiz, e da minha nora, Fernanda, grávida de cinco meses do meu neto Lorenzo. Infelizmente, esse é apenas um dos exemplos mais dramáticos dessa trajetória de perdas.
A tragédia só começou em 25 de janeiro de 2019. No entanto, da nossa dor nasce a resistência, e foi justamente a força do amor e a indignação pela forma como 272 vidas foram ceifadas que nos levaram a criar o Instituto Camila e Luiz Taliberti. Nosso objetivo é defender os direitos humanos com foco no empoderamento de grupos vulneráveis e na proteção do meio ambiente. Do nosso luto surgiu a luta por justiça, por reparação e por um futuro sustentável para todos.
O rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em 2019, não foi um caso isolado. Ele é parte de uma realidade de exploração predatória e de negligência com a vida. Vivemos uma enorme crise socioambiental. Mas entre as comunidades afetadas pela mineração, vemos surgir uma força incomum de resistência. Nos rincões de Brumadinho, Mariana e tantas outras cidades mineradas, as pessoas não se contentam com o vazio deixado pela destruição; elas se reconstroem. E é nesse processo de reconstrução que a arte tem sido uma ferramenta poderosa.
A exposição itinerante “Paisagens Mineradas: marcas no corpo-território”, que inauguramos no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, é parte dessa reconstrução. A mostra é mais do que uma reflexão sobre os danos causados pela mineração, ela é uma celebração da capacidade de regeneração das pessoas, dos territórios e da memória. A arte apresentada ali é uma forma de testemunho e uma maneira de reimaginar o futuro. O projeto, realizado pelo Instituto Camila e Luiz Taliberti, é uma homenagem aos que perdemos e um chamado à reflexão e ao questionamento do modelo de “desenvolvimento” que escolhemos para o nosso país.
A exposição reúne obras de doze mulheres artistas que, como nós, acreditam na possibilidade de um futuro regenerado. As obras retratam a devastação, mas também mostram como, mesmo em meio ao caos, é possível encontrar formas de vida, como se a terra, ferida, ainda guardasse a capacidade de renascer. “Paisagens Mineradas” é uma exposição sobre a perda e o renascimento, sobre como a arte transcende a dor e nos oferece uma visão de futuro. É um convite para semearmos, em meio à lama, algo que possa florescer.
A escolha do Museu da Inconfidência para abrigar essa exposição é simbólica. Ouro Preto, que um dia foi o centro da exploração do ouro, agora recebe uma exposição que denuncia outro tipo de exploração: a da terra, dos corpos e das comunidades. A antiga Casa de Câmara e Cadeia, que foi o coração administrativo da cidade em um sistema colonial opressor, hoje serve como palco para um grito de resistência que vem das mulheres que se organizam em rede para germinar novas paisagens, mais justas e mais humanas.
Não podemos mais ignorar os limites do planeta. A mineração, como é praticada hoje, não pode continuar. Ela arrasa tudo à sua volta: montanhas, rios, cidades, milhares de pessoas. É fundamental que reconheçamos que as vítimas dessa exploração não são “só” as que perderam a vida ou a casa em tragédias como as de Brumadinho e Mariana. As vítimas somos todos nós, que consumimos alimentos plantados em terras intoxicadas, respiramos ares com partículas de minério e assistimos o deságue no mar de um rio de lama. As vítimas são também as gerações futuras, que terão que viver com as consequências nefastas do que é feito hoje, cercado de perda de direitos fundamentais.
No Dia Internacional de Direitos Humanos, comemorado no próximo 10/12, vale clamar por justiça. Por isso, o Instituto Camila e Luiz Taliberti não é simplesmente uma resposta ao luto de uma mãe. Nosso compromisso é com a luta por um modelo de desenvolvimento que coloque a vida acima do lucro, que faça um pacto com a terra que nos dá a vida. Espero que você, leitor, visite “Paisagens Mineradas” por onde ela passar, dando voz a quem foi silenciado e compreendendo que, mesmo diante da destruição, há sempre espaço para a esperança.
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