O cabo de guerra entre os poderes

A Constituição estabelece em seu artigo 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Trata-se do conhecido princípio da separação de poderes explícita ou implicitamente expresso em diversas Constituições contemporâneas.
De Montesquieu ao Estado moderno muita coisa mudou, mas em essência podemos dizer que as funções legislativas, executiva e judiciária devem ser exercidas por órgãos distintos e autônomos. Para Montesquieu, a divisão funcional dos poderes deve corresponder a uma divisão orgânica.
Os órgãos que dispõem de forma genérica e abstrata, que legislam, enfim, não podem, segundo ele, ser os mesmos que executam, assim como nenhum destes pode ser encarregado de decidir as controvérsias.
Um poder não deve receber ordens do outro, mas cingir-se ao exercício da função que lhe é imposta pela Constituição.
Ainda que possamos revisitar e atualizar a concepção de Montesquieu para os dias que correm, como por exemplo, o fez muito bem o Prof. Bruce Ackerman, não devemos simplesmente ignorar a advertência que a divisão ou fracionamento do poder deve ainda ser maior em mais órgãos e instituições independentes. Essa lição deveria ser muito bem estudada pelo Brasil em face da crise institucional em que vivemos.
Como muito bem notou o jornalista Carlos Pereira, temos hoje um Executivo disfuncional. A chamada entrega do governo ao Congresso iniciou-se no governo Dilma ao sancionar sem vetos, a Emenda Constitucional 86, em março de 2015, tornando impositivas as emendas individuais. Bolsonaro, por sua vez também sancionou a EC 100, que estendeu a impositividade às emendas de bancada.
No entanto, essas restrições não impediram que Michel Temer tivesse um desempenho extraordinário no Legislativo com 93% de suas propostas aprovadas em sua base.
O mesmo vale para Bolsonaro, que, mesmo com a coalizão minoritária de sobrevivência com o Centrão, teve taxa de sucesso de cerca de 90%.
Já no governo atual, Lula 3 registra uma taxa de apenas 72% – comparável apenas ao segundo mandato de Dilma. Isso indica que as dificuldades de Lula no Legislativo não estão nas regras orçamentárias, mas, sim, na incapacidade do Executivo de montar e gerir uma agenda de coalizões de forma eficiente.
Como afirma Carlos Pereira: nem mesmo uma coalizão supermajoritária – com 68% das cadeiras na Câmara e 73% no Senado- e ideologicamente próxima a mediana do Congresso tem sido suficiente para garantir maioria substantiva.
Certo está Fernando Gabeira: Executivo, Parlamento e Judiciário caminham celeremente para o colapso não porque não escolhem essa saída, mas porque são incapazes de mudar seu comportamento.
A situação do Judiciário, sobretudo do STF, é de todos conhecida. Não faz o mínimo esforço para a autocontenção e acostumou-se de uns anos para cá a praticar um tipo de poder moderador tupiniquim.
Reconhece, por vezes, que a regra deveria ser editada pelo Congresso, mas acusa esse último de omissão e, portanto, legisla em seu lugar em temas muito sensíveis ou mesmo em temas banais.
O Congresso, nesse tema, talvez ainda não tenha despertado de seu sono profundo. Quem sabe não seria o momento de ele aprovar uma emenda constitucional reafirmando sua competência para legislar. Algo elementar como: o STF não julgará lei ou ato normativo inconstitucional em razão de lacuna ou omissão legislativa, sem antes assinalar prazo razoável ao legislador para editar o ato legislativo ou normativo faltante. Talvez fosse uma boa ideia para inibir os arroubos legislativos de alguns dos ministros do STF.
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