Decisão do STF alimenta zona cinzenta jurídica

O STF marcou um divisor de águas ao modificar o regime de responsabilização civil das plataformas digitais, abrindo espaço para remoções sem comprovada violação judicial prévia. Ainda que a mobilização tenha objetivo legítimo de conter abusos graves, a extensão automática de responsabilidade gera insegurança jurídica.
O julgamento não esmiuçou critérios para definir “falha sistêmica” ou o que se considera “tempo razoável” para remoção. Isso deixa as plataformas vulneráveis a reclamações baseadas em interpretações subjetivas, complicando a automação de moderação.
O simples uso irrestrito de notificações extrajudiciais remove o filtro institucional do Judiciário, exigindo resposta rápida por parte das plataformas, sem o crivo do contraditório. Embora aumente eficiência, eleva o risco de censura preventiva em casos controversos ou politicamente sensíveis — uma preocupação compartilhada em diversos regimes regulatórios globais.
Quando o assunto é moderação de conteúdo, não se trata de ser o mais rápido, mas sim o mais efetivo.
Inclusive, o STF, ao delegar à iniciativa privada o dever de criar normas, processos e práticas robustas é mais um ônus atribuído pelo Estado às companhias. Pode ser até um passo relevante, mas sem padronização legal clara e transparente, haverá disparidade na atuação entre empresas e um ambiente regulatório difuso.
Na União Europeia, o Digital Services Act institui procedimentos bem definidos: contexto de risco, transparência e appeals process (a forma de solicitar a revisão de uma decisão tomada por uma instância inferior, buscando uma decisão favorável em uma instância superior).
No caso brasileiro, a falta de normas complementares e prazo de modulação apenas prospectivo acentua a instabilidade jurídica das plataformas e agrava o famigerado risco Brasil.
Sabemos que essa decisão do STF é apenas um marco inicial, já que sua efetividade dependerá de legislação complementar clara (como recomendado pela Corte), regulamentos – por exemplo, do TSE e agências setoriais – para uniformizar práticas, ferramentas tecnológicas confiáveis para moderação automatizada e mecanismos que protejam liberdade de expressão.
Portanto, o que se vê é que o STF fortaleceu a capacidade estatal e empresarial de combate a conteúdos ilícitos — o que é essencial. Mas, sem bases legais e procedimentos sólidos, a decisão alimenta uma zona cinzenta jurídica, onde a subjetividade pode sacrificar tanto a proteção de direitos fundamentais quanto a segurança jurídica e operacional das plataformas.
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