Artigo

Decisão do STF alimenta zona cinzenta jurídica

Mudança do Marco Civil da Internet tem gerado amplo debate na sociedade sobre os seus efeitos na prática
Decisão do STF alimenta zona cinzenta jurídica
Foto: Adobe Stock

O STF marcou um divisor de águas ao modificar o regime de responsabilização civil das plataformas digitais, abrindo espaço para remoções sem comprovada violação judicial prévia. Ainda que a mobilização tenha objetivo legítimo de conter abusos graves, a extensão automática de responsabilidade gera insegurança jurídica.

 O julgamento não esmiuçou critérios para definir “falha sistêmica” ou o que se considera “tempo razoável” para remoção. Isso deixa as plataformas vulneráveis a reclamações baseadas em interpretações subjetivas, complicando a automação de moderação.

 O simples uso irrestrito de notificações extrajudiciais remove o filtro institucional do Judiciário, exigindo resposta rápida por parte das plataformas, sem o crivo do contraditório. Embora aumente eficiência, eleva o risco de censura preventiva em casos controversos ou politicamente sensíveis — uma preocupação compartilhada em diversos regimes regulatórios globais.

 Quando o assunto é moderação de conteúdo, não se trata de ser o mais rápido, mas sim o mais efetivo.
 Inclusive, o STF, ao delegar à iniciativa privada o dever de criar normas, processos e práticas robustas é mais um ônus atribuído pelo Estado às companhias. Pode ser até um passo relevante, mas sem padronização legal clara e transparente, haverá disparidade na atuação entre empresas e um ambiente regulatório difuso.

 Na União Europeia, o Digital Services Act institui procedimentos bem definidos: contexto de risco, transparência e appeals process (a forma de solicitar a revisão de uma decisão tomada por uma instância inferior, buscando uma decisão favorável em uma instância superior).

 No caso brasileiro, a falta de normas complementares e prazo de modulação apenas prospectivo acentua a instabilidade jurídica das plataformas e agrava o famigerado risco Brasil.

 Sabemos que essa decisão do STF é apenas um marco inicial, já que sua efetividade dependerá de legislação complementar clara (como recomendado pela Corte), regulamentos – por exemplo, do TSE e agências setoriais – para uniformizar práticas, ferramentas tecnológicas confiáveis para moderação automatizada e mecanismos que protejam liberdade de expressão.

 Portanto, o que se vê é que o STF fortaleceu a capacidade estatal e empresarial de combate a conteúdos ilícitos — o que é essencial. Mas, sem bases legais e procedimentos sólidos, a decisão alimenta uma zona cinzenta jurídica, onde a subjetividade pode sacrificar tanto a proteção de direitos fundamentais quanto a segurança jurídica e operacional das plataformas.

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas