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Estado e mercado: por que é preciso (re)construir essa relação

É preciso um novo Estado, para novas empresas, em uma nova sociedade
Estado e mercado: por que é preciso (re)construir essa relação
Crédito: REUTERS/Adriano Machado

Ouso dizer que fomos calibrados a olhar para a relação entre Estado e mercado de maneira dual, oposta, em que um atrapalharia a vida do outro. De um lado, muitas vezes se olha para o mercado com receio, considerando as empresas como não preocupadas com a questão ambiental, responsáveis pela exploração do trabalho humano e pela maximização dos lucros de forma exagerada. De outro, não é incomum enxergar o Estado como pesado, ultrapassado e consumidor de uma carga tributária escorchante que não retorna em benefícios.

No entanto, gostaria de convidar a uma reflexão por outro ângulo.

Não podemos enxergar Estado e mercado como polos opostos, distintos, que se repelem. Ao contrário, ambos estabelecem – e deve ser assim – uma relação entre duas figuras que se implicam mutuamente e cuja maior eficiência pode ser tirada exatamente dessa boa relação entre elas.

Esse é o desenho da nossa Constituição Federal, previsto em seu artigo 170, ao tratar da ordem econômica e financeira, a qual é baseada em alguns princípios, destacando-se os da propriedade privada e da livre concorrência.

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Essa é a lógica de uma economia de mercado. Nela o Estado não é inexistente; ao contrário, é presente e ocupa um papel de destaque na regulação e proteção do funcionamento da própria economia. Por outro lado, sem o mercado, sem as empresas, sem a iniciativa privada, não há geração de emprego e renda, nem fornecimento de produtos e serviços, nem recolhimento de tributos para promoção das políticas públicas.

As nações com as melhores economias possuem um Estado forte e atuante. Vide, por exemplo maior, a realidade americana: um Estado que executa uma política comercial vigorosa de proteção do mercado interno, de promoção dos produtos e serviços americanos no estrangeiro, de garantia dos pactos entre as empresas e até de amparo às empresas daquele país, quando extremamente necessário – basta citar General Motors e Chrysler, na crise de 2008, lembrando-nos da máxima “grandes demais para falir”. Na crise do coronavírus, essa proteção foi, inclusive, ampliada para outros tantos setores, como o de energia e companhias aéreas.

Mas como criar essa boa relação entre Estado e mercado, mantendo cada um em seu âmbito de atuação, sem interferências indevidas? Isso é feito por meio de uma boa legislação. É o Estado – por meio do Legislativo, do Executivo e do Judiciário – que detém o poder de estabelecer, fiscalizar e aplicar as leis, garantindo a existência e eficácia dos contratos, a segurança jurídica, a previsibilidade que o mercado tanto precisa.

Sabemos dos desafios e a questão não é ignorar as falhas existentes nessa relação nem, muito menos, propor uma ruptura extremista. O Brasil precisa é de uma melhora do ambiente de negócios com um Estado que tribute menos, faça uma boa gestão e aplicação dos recursos públicos e auxilie na proteção do mercado contra ameaças externas e, internamente, por meio da segurança e previsibilidade das relações entre as empresas.

Não é simples, não tem fórmula mágica, não existe uma receita pronta. Essa boa relação é construída e reconstruída diuturnamente, de maneira dinâmica, obedecendo a própria fluência e mudanças naturais da vida – das pessoas e das empresas. Por isso é difícil: porque não existe caminho alternativo.

Precisamos superar as dificuldades e buscar a conciliação dessas duas esferas entre si e, inclusive, e sobretudo, com a sociedade civil. Trato disso em meu livro “Estado e mercado: da dicotomia ao diálogo”, que será publicado em breve. Essa é uma possibilidade para o caso brasileiro, em que, na edição e aplicação das leis, o Estado deve estar aberto às pretensões do mercado, mas sem subserviência, superando-se o capitalismo de laços e compadrios, e sempre atento aos anseios da sociedade. O Direito, assim, é meio de integração social e instrumento para o alcance dos objetivos fundamentais previstos no vigente texto constitucional.

Mas a questão é: só permanecerão no mercado empresas preparadas e que, além de se preocupar com sua governança e geração de lucros, também respeitem as pessoas e o meio ambiente. Diria mais: a própria maximização dos lucros, na sociedade atual, depende de uma atuação atenta às questões sociais e ambientais.

Não é altruísmo, nem caridade. São negócios cujos modelos precisam ser atualizados para o cenário hodierno da sociedade, mais exigente e preocupada com quem produziu aquele produto (se houve trabalho forçado, degradante etc) e de onde ele veio (se a cadeia de produção respeitou o meio ambiente e as pessoas envolvidas).

É preciso um novo Estado, para novas empresas, em uma nova sociedade.

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