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Kamala Harris nos faz refletir sobre representatividade feminina e o perigo da superficialidade

O impacto da figura de Kamala Harris traz reflexões importantes sobre os limites e as responsabilidades da representatividade feminina no poder

Terminaram as eleições nos Estados Unidos e Kamala Harris não conseguiu alcançar a cadeira presidencial. Ainda assim, o impacto de sua figura, como primeira mulher, e mulher negra, a ocupar a vice-presidência do país, traz reflexões importantes sobre os limites e as responsabilidades da representatividade feminina no poder.

Afinal, a simples presença de mulheres em cargos de liderança é suficiente para avançar em equidade de gênero?

E mais: o que acontece quando essas mulheres, ainda que icônicas em termos de representatividade, promovem políticas que não estão alinhadas com causas feministas e humanitárias?

Representatividade não é sinônimo de transformação

Kamala Harris personifica a força simbólica que a representatividade feminina pode ter. Sua trajetória é inspiradora e, inegavelmente, histórica. No entanto, é preciso separar inspiração de impacto real.

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Kamala Harris
Kamala Harris discursa na Howard University em Washington | Foto: Kevin Lamarque/Reuters

Em seu período como vice-presidente, Harris adotou uma postura que, por vezes, parecia mais focada na manutenção do status quo do que em reformas profundas. O exemplo mais recente – e talvez mais emblemático – foi o seu apoio à continuidade do financiamento militar e político ao Estado de Israel em meio à intensificação da violência.

Harris tomou uma posição que parece distanciar-se da da empatia humanitária que tanto espera-se de uma liderança feminista. Essa postura destaca o perigo de acreditarmos que a presença de mulheres em altos cargos, por si só, seja suficiente para impulsionar mudanças sistêmicas.

A equidade de gênero não pode ser medida apenas pelo número de mulheres no poder; ela deve ser avaliada pela qualidade e impacto das políticas defendidas e pela real disposição dessas lideranças em promover transformações. Quando isso não acontece, a presença feminina no poder corre o risco de se tornar uma peça decorativa, uma estratégia de inclusão simbólica.

Não que a responsabilidade pela transformação social deva recair exclusivamente sobre as mulheres; afinal, a luta por igualdade é uma responsabilidade coletiva. No entanto, quando alguém de um grupo historicamente oprimido – seja uma mulher ou uma pessoa negra, por exemplo – ocupa um cargo de liderança, sua presença carrega as forças e os sonhos de todos aqueles que abriram caminho para que essa pessoa chegasse ali.

O feminismo corporativo e o perigo da representatividade feminina vazia

O fenômeno observado com Kamala Harris não se restringe à política dos Estados Unidos; ele se replica em organizações e governos ao redor do mundo.

Vemos um aumento do número de mulheres em cargos de chefia, mas nem sempre essas mulheres têm a liberdade ou o compromisso para promover mudanças reais que beneficiem outras mulheres e minorias.

Este “feminismo corporativo”, que promove a inclusão de mulheres em posições de destaque apenas como uma estratégia de marketing, sem uma preocupação real com transformações estruturais, gera uma inclusão limitada, onde as próprias mulheres se tornam peças decorativas e têm sua representatividade usada como fachada para as mesmas práticas de sempre, criando um falso senso de progresso.

O que precisamos das liderança femininas

Mulheres que alcançam o poder – seja no setor público ou privado – têm uma responsabilidade ampliada, e esse papel exige uma conscientização profunda sobre feminismo e interseccionalidade.

Entender as dinâmicas de exclusão, não apenas para si, mas para todas as mulheres, levando em conta questões de raça, classe, deficiência, orientação sexual e outros atravessamentos – pois não há uma experiência universal sobre o que é ser mulher – é essencial para que a presença feminina no poder não se limite a um troféu de diversidade.

Com esse entendimento, uma liderança feminina poderá, não apenas ocupar o espaço, exercendo com profissionalismo suas atribuições – seja em qual área for – mas também estar atenta às oportunidades que realmente contribuam para a evolução da estrutura.

A representatividade importa, mas é o compromisso com uma transformação que realmente conta.

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