Reputação, política e valor
Na segunda-feira (22), o mercado emitiu um veredito instantâneo sobre a recente peça publicitária da Havaianas: uma retração de R$ 150 milhões no valor de mercado da Alpargatas, detentora da marca. O episódio acabou atingindo a delicada polarização política brasileira. Para além das paixões ideológicas que inflamam as redes sociais, o fenômeno oferece um estudo de caso sobre a moderna economia da reputação. Antes de avançar na análise, porém, deixo registrada minha visão: temos, a cada dia, exercitado um escrutínio excessivo sobre minúcias, algo que, sob qualquer perspectiva, é profundamente nocivo para a sociedade.
Estudos contemporâneos demonstram que o consumo deixou de ser apenas utilitário para se tornar um ato de identidade. Quando um consumidor calça uma sandália ou abre uma cerveja, ele busca, inconscientemente, uma validação de seus próprios valores. O risco, portanto, reside na matemática: marcas de nicho podem se dar ao luxo de serem ativistas, pois o apoio fervoroso de um lado compensa a rejeição do outro. Porém, para marcas de massa como a Havaianas, onipresentes e consideradas um símbolo nacional, a polarização é perigosa. Tentar agradar a um espectro político, ou ser interpretado dessa forma, implica matematicamente no risco de alienar a outra metade do mercado consumidor.
A reação negativa da Bolsa reflete essa assimetria de risco. Investidores, por natureza avessos à incerteza, não puniram a Alpargatas necessariamente porque acreditam que as vendas de chinelos cairão a zero amanhã. A venda massiva de ações reflete o medo da volatilidade e a erosão de um ativo intangível valioso: a universalidade da marca. Diferente do caso da Nike nos Estados Unidos, que lucrou ao apoiar causas progressistas porque seu público-alvo é majoritariamente jovem e urbano, ou do desastre da Bud Light, que colapsou ao não compreender o conservadorismo de sua base, a Havaianas ocupa um terreno híbrido. Ela calça o País inteiro. Ao permitir que sua imagem fosse arrastada para o campo da disputa política, a empresa violou a neutralidade necessária para a onipresença.
Quanto aos boicotes, o impacto financeiro é real, especialmente via aumento dos custos de transação, isto é, o capital que a empresa agora precisará queimar em gestão de crise e relações públicas. No entanto, a elasticidade da memória do consumidor é limitada. Por ser um produto de baixo custo relativo, de uso recorrente e de difícil substituição cultural, é improvável que o boicote comprometa os fundamentos da companhia a longo prazo. Quando o produto é essencial, o consumidor tende a separar a convicção ideológica da utilidade.
A economia da reputação não perdoa ruídos na comunicação. Em um Brasil dividido, o silêncio e a neutralidade podem ser os ativos mais rentáveis de uma marca de massa. A controvérsia gera engajamento nas redes, mas, como o mercado deixou claro, nem sempre gera valor para o acionista.
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