Timing é valor: quando proteger demais vira perda de oportunidade
Já reparou como muitos escritórios de advocacia tratam o NDA (Non-Disclosure Agreement – Termo de Confidencialidade e Sigilo) como um escudo mágico? Como se, enquanto não houver acordo de confidencialidade assinado, nenhuma revelação de dados fosse segura ou como se a existência do documento resolvesse todas as incertezas. Essa obsessão pode custar muito caro para os clientes.
Circula nas conversas de bastidor a história de que Silvio Santos evitava fazer negócios com advogados presentes na mesa. Pode até ser mito ou exagero, mas há algo de simbólico nessa narrativa: o medo do burocrático, do excesso de formalismo que paralisa decisões. Embora eu não tenha encontrado fonte confiável que confirme que Silvio Santos de fato tenha dito ou praticado isso literalmente, o mito expressa uma verdade prática: muitos empreendedores sentem que, quando um advogado entra em cena, o andamento diminui drasticamente.
Esse mito deveria ser um alerta: não podemos aceitar que burocracia legal vire bloqueio de oportunidade. Precisamos de advogados na mesa de negociação, participando ativamente, sugerindo estratégias, assumindo riscos calculados e não de advogados que só se posicionam no “sem NDA, nada feito”.
Mas, por que os advogados recuam ou agem por inércia? Há alguns motivos que explicam esse comportamento, começando pelo medo de responsabilidade. Advogados frequentemente temem que, se algo der errado, vão ser responsabilizados. Exigem segurança total antes de qualquer compartilhamento. Importante pontuar também a visão legalista pura, pois muitos foram treinados para ver o risco jurídico como algo absoluto, e não relativo. Se há risco, vetam; se há dúvida, bloqueiam. Uma terceira razão é a falta de entendimento do ecossistema de inovação: startups mudam rápido: o ambiente exige dinâmica, flexibilidade, tolerância ao incerto.
E não para por aqui. Existe, ainda, a presunção de que qualquer informação pode gerar litígio: isso leva os advogados a exigirem NDAs para tudo, sem discriminação. Mas, “somente o NDA” não resolve, e pode até prejudicar com o risco do travamento precoce das conversas.
Investidores tendem a desistir quando cada reunião ou pitch vem acompanhado de exigências legais excessivas – num ambiente de competição acirrada, tempo é fator decisivo. O custo de oportunidade é alto: ideias, alianças, mentorias e parcerias que poderiam florescer acabam interrompidas. Além disso, pesa a reputação: advogados e escritórios que se posicionam como os que “sempre travam” passam a ser vistos como parceiros difíceis, distantes da lógica da inovação.
Então, qual papel os advogados deveriam assumir? Em primeiro lugar, eles precisam ser vistos — e se enxergar — como facilitadores de negócio, e não apenas guardiões do risco. Para isso, é preciso mapear o que realmente precisa de proteção e o que pode ser compartilhado sem grande risco no estágio inicial. Além disso, também é necessário propor soluções alternativas ao NDA amplo, como compartilhar apenas informações essenciais (“teaser”), reservar detalhes técnicos ou estratégicos para estágios avançados. Um caminho importante também é verificar a credibilidade da contraparte e dimensionar o risco ao retorno: se a oportunidade é grande, o risco tolerável pode ser maior.
É essencial entender que riscos também fazem parte do sucesso. Empresas crescem quando alguém aceita avançar apesar dos riscos. Quando se espera tudo perfeitamente seguro, com todos os documentos bem desenhados, muitas vezes perdemos o timing. Advogado que nunca coloca seu cliente numa posição de risco calculado talvez nunca esteja ajudando seu cliente a alcançar algo de fato novo.
Na Aleve LegalTech Ventures, quando um fundador exige NDA logo no início, perguntamos: “Por quê? Quais dados você quer proteger exatamente?” Se for algo sensível, reservamos para depois; se for algo de mercado ou problema a ser resolvido, conversamos sem formalismos que travem a comunicação. Não assinamos NDAs que limitam nossa liberdade de explorar oportunidades ou nos deixam expostos a demandas judiciais infundadas. Mas trabalhamos com ética, sigilo e profissionalismo.
Se você é advogado que atua com startups ou negócios de inovação, meu convite é para que reflita: quantas oportunidades seu cliente perdeu porque você vetou uma reunião ou adiou tudo esperando um NDA? Pergunte-se: seu cliente ficaria mais seguro se mantendo paralisado ou agindo de forma ágil? Exerça a empatia: fundadores têm prazos e precisam de validação rápida, então intervenções legais devem acompanhar esse ritmo.
NDAs são importantes, sim, em contextos certos. Mas quando viram muletas, prisões ou desculpas para não negociar, estão deixando de cumprir seu papel. Advogados têm que estar à mesa para negociar, permitir e inclusive correr riscos, quando o negócio vale. Se eles continuarem a exigir segurança total em todas as circunstâncias, os verdadeiros empreendedores vão procurar quem esteja disposto a correr com eles. E talvez, nesse movimento, quem for inflexível fica fora do jogo. Afinal: no mundo real dos negócios, quem ousa é quem avança.
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