Projeto Preserva

Encurralados: Serra do Curral tenta resistir em Belo Horizonte

Corroída, carcomida pela mineração, a casquinha que sobrou da serra tenta resistir. À mineração ilegal, a projetos que tentam legalizar a destruição da lembrança do símbolo de BH
Encurralados: Serra do Curral tenta resistir em Belo Horizonte
Apolo Heringer, médico e ambientalista, na estrada do Parque da Serra do Curral Foto: Projeto Preserva

Foi aos pés dela que se resolveu construir Belo Horizonte, porque essa era a vista de lá. Da antiga praça Israel Pinheiro, que a gente chamava de praça do sorvete (por causa daquele círculo sobre a base em forma de cone, ou casquinha), João Paulo II, visitante ilustre no inicio da década de 1980, exclamou: – Que Belo Horizonte!

E assim, a praça ganhou um novo nome: Praça do Papa.

Mais de 40 anos depois, também aos pés da serra, o grande Apolo Heringer, médico e ambientalista, conversou com a gente.

“Eu já viajei muito por vários continentes. De avião, de carro… Eu já vi muitas serras. Eu vejo a Serra do Curral… [No fim do século XIX], foi o local escolhido para um debate político muito intenso, coordenado por Aarão Reis e os governadores da época. [Aqui foi o local escolhido para a construção da capital] porque é um momento de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado. E é uma região em que flui muita água, garantia que não haveria problema” –diz Apolo.

Na infância, costumava subir a serra. E ia do Pico Belo Horizonte a Nova Lima: – “Era um pavor. Nossas mães ficavam apavoradas que uma turminha de meninos e de meninas também, tudo com nove, dez anos, 11 anos, e não levava água, não tinha tênis. A gente, às vezes, demorava meio dia para chegar lá. E chegava todo queimado de sol. Então, faz parte da minha memória”.

Contemplando o que sobrou da serra, Apolo lembra Carlos Drummond de Andrade, o trecho do poema “Triste Horizonte”:

Esta serra tem dono.
Não mais a natureza a governa.
Desfaz-se, com o minério, uma antiga aliança, um rito da cidade.
Desiste ou leva bala.
Encurralados todos, a Serra do Curral, os moradores cá embaixo.

Corroída, carcomida pela mineração, a casquinha que sobrou da serra tenta resistir. À mineração ilegal, a projetos que tentam legalizar a destruição da lembrança do símbolo de BH.

“Eu sempre supus que a Serra do Curral seria o nosso Corcovado. Seria um local que você pudesse subir num bondinho elétrico e, lá em cima, teria terraços”.

Para Apolo, era preciso abrir a serra às pessoas, aos moradores, aos turistas, para fortalecer o vínculo com a população. “Porque você defende aquilo que conhece. Se todo mundo conhecesse bem como ela é, nós teríamos muito mais gente defendendo.”

Carolina de Moura, jornalista e ambientalista | Foto: Projeto Preserva

Andar pelas trilhas da serra não foi um privilégio apenas da geração de Apolo. A ativíssima comunicadora Carolina de Moura lembra que a foi onde os sentimentos de ligação com a natureza e o meio ambiente afloraram.

“A Serra do Curral foi onde tudo começou. Eu subia a Serra do Curral fazendo trilha. A gente fazia a crista até descer pelo cabo, ou do outro lado. Desde essa época eu já via a mineração lá. A mina Águas Claras é antiga. É uma referência. Essa serra é onde eu despertei”, conta.

Carol carrega uma definição bem clara, peculiar e verdadeira sobre o que é ser de Minas Gerais: – Hoje em dia, ser mineiro é enfrentar a mineração. É defender o território, defender as serras, você mesma, a água e os seus.

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas