Skema

Declare sua cor de pele verdadeira pelo combate ao racismo

17 de novembro de 2023

Estou no Brasil há 6 anos e aprendo todos os dias, maravilhada, sobre uma cultura diversa e mais imensa que seu território. No mês de celebração da consciência negra, confesso que ainda há muito para entender e compartilhar sobre o tema. Sei que meu lugar não é o de fala e, mesmo sendo esse um tema delicado, peço licença para abrir o debate. De posse de considerações pela observação e escuta, convido o leitor a pensar comigo.

Vejo, pela variedade de tons de pele, que as categorias raciais são fluidas entre os brasileiros.

Paradoxalmente, existe uma classificação que as nomeia como iguais. Chamam pardos, quaisquer que não sejam negros retintos ou brancos.

Reflito qual é o sentido de agrupar como pardos um grupo que soma a maior parte da população do País. Essa classificação não serve como identificação exata sobre a cor dessas pessoas. Seria inconveniente para quem todos esses estarem no grupo negros? Juntos, eles compõem mais de 75% do total de brasileiros.

Pensar que as políticas públicas são dirigidas segundo tais estatísticas pode ajudar a compreender que chamar mais de cem milhões de pessoas de pardos pode ser mais que uma questão semântica.

Busco a história para entender. O Brasil é um país de população miscigenada que aboliu a escravidão tardiamente, em 1888. Isso não foi acompanhado, como nos Estados Unidos e na África do Sul, por leis de segregação racial. Pelo contrário, o país permitiu casamentos inter-raciais, provocando o mito da democracia racial na primeira metade do século XX.

O século XX assistiu a uma evolução do pós-colonialismo, como em todas as democracias ocidentais, para a construção de um governo baseada no mito da igualdade racial, que concedia os mesmos direitos a todos os trabalhadores.

Mesmo que a intenção fosse dar direitos iguais, os fatos mostraram os limites das políticas públicas que investiram muito pouco no assunto ou, pior ainda, que não quiseram provocar mudanças na sociedade brasileira com todos os seus componentes.

Depois veio uma sucessão de avanços e recuos políticos em relação aos direitos das pessoas de cor, deixando o século XXI com uma enorme quantidade de trabalho a ser feito para lutar contra preconceitos e a falta de abertura da sociedade para muitos brasileiros.

Debater como se dá a identificação da população negra e branca fala bastante sobre como podemos aproveitar a data para fomentar a conscientização acerca de temas sobre preconceitos naturalizados.

No mundo da educação, por exemplo, encontramos a mesma questão imposta no processo administrativo das instituições de ensino: no censo do INEP/MEC, há o campo cor/raça para identificação dos alunos. “O campo cor/raça apresenta as seguintes opções de resposta: sem informação disponível, o aluno não quis declarar sua cor/raça, branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Trata-se de um campo de autodeclaração, cuja maior parte já é automática com as informações prévias do aluno dos censos precedentes).

Para o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, principal provedor de dados e informações do País, a informação está associada: São cinco opções: branca, preta, parda, indígena ou amarela, que no caso são descendentes de asiáticos, como japoneses, chineses ou coreanos.

Pensemos. Os negros são descendentes dos africanos e os brancos dos europeus. Os pardos são o resultado da mistura desses grupos étnicos. Indígena é a pessoa que se diz indígena, tanto os que vivem nas aldeias quanto os que vivem fora delas, inclusive nas áreas de quilombo e nas cidades. Branco refere-se a pessoas que se declaram brancas e que têm características físicas historicamente associadas às populações europeias. O termo pardo refere-se às pessoas que se declaram pardas e mestiças, com predominância de traços negros. Negro é a pessoa que se autodeclara negra e que apresenta características físicas que indicam ascendência predominantemente africana.

Fico surpresa e admirada com essa liberdade de autodeclaração não muito presente em meu país de origem. Na França, esse modelo seria considerado suspeito de categorização discriminatória e, acima de tudo, não corresponde à definição de um país sem raça (legado da revolução francesa com a declaração dos direitos humanos). A informação é mais sobre nacionalidades ligadas à imigração na França.

Entendo que essas autodeclarações solicitadas dentro da estrutura educacional devem possibilitar a identificação de escolas que precisam de apoio específico para ajudar a instituição e sua comunidade.

Dirijo uma Faculdade Internacional de ensino superior sem fins lucrativos, com status brasileiro para a entidade sediada em Belo Horizonte. Nossa ambição é buscar a excelência em educação, que é sempre desafiada pela evolução do conhecimento e pela prática concreta da experiência multicultural.

Compartilhamos com nossos alunos os valores da escola, que incluem verbos de ação: ousar, agir pelo mundo, vivenciar a diversidade, assumir um compromisso de longo prazo e buscar a excelência. E, ainda assim, é desafiadora a missão de promover a consciência negra. Até mesmo nos países com grande quantidade de alunos e professores negros.

Naturalmente, nossa instituição deseja assumir um compromisso de longo prazo, apoiando o desejo da sociedade mundial e também brasileira de oferecer acesso igualitário à educação para sua população diversificada.

No Brasil, por exemplo, recebemos em nosso corpo docente empresários e diretores de grandes empresas que estão trabalhando nessa questão. Temos políticas de governança e compartilhamos nossos compromissos ESG e, às vezes, queremos fazer mais, envolvendo nossos pesquisadores que estão trabalhando nessas questões.

Reconhecemos que podemos fazer mais. Sabemos que ainda há racismo e a luta antirracista levará um pouco mais de tempo para ser consolidada com prática na sociedade. Sei que esse artigo não encerra toda a questão aqui. As estatísticas são cruéis para as pessoas negras, especialmente nas áreas urbanas.

Porém, precisamos dar passos. Todos os dias. O meu, hoje, foi jogar luz sobre esse debate acerca da denominação da população negra nesse país que me acolhe e me ensina. Toda sociedade tem seus próprios paradoxos e vamos continuar construindo o futuro, com educação para a transformação.

* Economista, presidente da Câmara de Comércio Internacional França Brasil/ Minas Gerais e reitora da Faculdade SKEMA Business School.

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