Skema

Como combater as notícias falsas

2 de novembro de 2023

Sou pesquisadora e educadora e tenho muito cuidado com a fonte das informações. Averíguo cuidadosamente, especialmente os conteúdos digitais. Porém, não posso me isentar de equívocos. Não me pouparei. É muito importante este debate.

Embora eu tenda a não compartilhar informações que não venham de fontes confiáveis ou de centros de pesquisa, tenho que admitir que já sucumbi a esse desejo de informar amigos sobre uma pergunta que me pareceu relevante recebida em um grupo de rede social.

Muito daquilo consumido como notícia é propaganda com intenção de persuasão, seja comercial, política ou de outra natureza. Nainternet, são chamados infomerciais. De acordo com o “Digital 2023 Global Overview Report” que foi produzido em parceria pela Meltwater e a We Are Social, atualmente, há 5,16 bilhões de usuários de internet no mundo, o que significa que 64,4% da população total do planeta está conectada e mais da metade, 57,8% dos usuários de internet a usam para procurar informações. E, ainda, 50,9% usam a rede para se manter atualizados sobre notícias e eventos.

Em média, 53,9% dos usuários de internet do mundo com mais de 18 anos, estão preocupados com o que é real ou fake na internet. Porém, 34,2% dos usuários de redes sociais utilizam as plataformas para ler notícias. Eu me pergunto se essa audiência é crítica quanto à origem e abordagem dessas informações. Ou se leem e saem emitindo suas impressões e compartilhando pensamentos fragmentados.

Vejamos o que ocorre quando as redes sociais ocupam o papel do jornalismo. De acordo com o “2023 Digital News Report”, produzido em parceria pela Reuters e a Universidade de Oxford, o Tik Tok desempenhou um papel importante na disseminação de informações e desinformações em eleições recentes no Quênia e no Brasil. E cresceu muito em partes da Europa Oriental, onde o conflito ucraniano aumentou o perfil que busca por notícias.

Hoje, com a Inteligência Artificial (IA) generativa adicionando seu potencial para criar informações e imagens, a partir de softwares que extraem nossos dados da internet, podemos imaginar que há um efeito multiplicador para a disseminação de informações sem verificação da fonte. Na maioria das vezes, as notícias falsas são, inclusive, divulgadas por pessoas que agem de boa fé.

Elas estão longe de imaginar que estão sendo manipuladas por indivíduos ou, em particular, por organizações. Muitas vezes de fora de seu próprio país, com a intenção de exercer influência política, econômica ou social para fins desagradáveis. O controle dessas informações é mais difícil em redes fechadas, mas é obrigação das plataformas verificar o que elas estão transmitindo e atuar como mediadoras.

A regulação da internet é diferente da censura. Não vejo marcos regulatórios e mecanismos de organização como um ataque à democracia. Ao contrário. A cultura digital exige leis e letramento e ainda está longe de poder ser controlada. Isso sim, é, sem dúvida, um limite para a nossa democracia.

Costumávamos falar sobre propaganda política, guerra e outras articulações para a manipulação das massas. A revolução da comunicação estaria nos colocando em cenário de guerra de informações? Nossa luta pela verdade estaria cada vez mais inalcançável?

O Digital Act, aprovado pela União Europeia em 2022, tem como objetivo tornar as plataformas mais responsáveis e controlar o conteúdo on-line. Essa regulamentação é acompanhada pela DSA (Lei de Serviços Digitais). Esse regulamento se aplica a todos os serviços intermediários fornecidos a usuários da Internet cujo local de estabelecimento ou residência seja na União Europeia. Esse é um dos modelos a serem pensados pelas nações.

Hoje em dia, falamos que os dados são o ouro dos tempos modernos. Acredito que têm ainda mais valor. O ouro de hoje é a inteligência aumentada pela análise humana e a capacidade de dar um passo atrás. Ao lado ou à frente. IA generativa não é capaz disso porque funciona como proposta, não uma resposta. Nesse sentido, depende da inteligência humana para somar e é essa expertise que pode criar um ambiente inóspito para notícias mentirosas e manipuladoras. É preciso cultivar uma audiência crítica e, para isso, precisamos de qualificar o pensamento.

A importância de jornalistas capazes de fazer referências cruzadas de informações continua sendo primordial. Esses profissionais da notícia precisam ser curiosos, com um bom conhecimento de história, geografia, política e uma capacidade de entender os principais dilemas enfrentados por nossas sociedades.

Podemos entender que os jornalistas enfrentam o desafio de disseminar informações o mais rápido possível, com restrições de tempo para cruzar fontes e, finalmente, fazer seu trabalho respondendo às demandas da mídia empregadora. Esses profissionais tem como missão adjacente fomentar a educação contínua dos cidadãos e evitar o abismo da manipulação de notícias falsas. Eles geralmente estão na origem das leituras sugeridas para levar o leitor a uma jornada de conhecimento e desenvolvimento do pensamento crítico.

Isso porque os cidadãos precisam de informações e direcionamentos para entenderem o impacto dos eventos globais e internacionais. E atuarem localmente. Vejo o Diário do Comércio como uma referência para a imprensa mineira. Sua postura ética é inquestionável, assim como sua determinação em produzir notícias relevantes e articular pautas juntos aos agentes econômicos do Estado.

Claramente, a educação pela audiência crítica em uma nação é um vetor essencial para reduzir a disseminação de notícias falsas e facilita a separação de informes comerciais da prestação de serviço a que o jornalismo realmente serve.

Para que isso ocorra, de fato, é fundamental que todos os cidadãos tenham um mínimo de conhecimento geral da história do próprio país e, em um momento em que estamos falando de globalização, a necessidade de conhecer o mundo, de conhecer a geografia básica do mundo e o que está em jogo.

É um desafio muito grande e, talvez, exija constante atualização. Por isso, encerro esse artigo com um provérbio de François Rabelais, um escritor do século XVI, eclesiástico anticlerical, médico e livre-pensador, que aponta para o eterno (re) começo: “A ciência sem consciência é apenas a ruína da alma”. Eu acrescentaria que a consciência sem conhecimento é impossível.

* Economista, presidente da Câmara de Comércio Internacional França Brasil/ Minas Gerais e reitora da Faculdade SKEMA Business School.

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