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Gregório de Matos: o legado do ‘boca do inferno’

Trata-se do mais importante nome da literatura brasileira no século dezessete, ao lado do Padre Antônio Vieira

Vai ao ar em breve, no canal da Academia Mineira de Letras no YouTube, a entrevista que fiz com o professor, crítico literário e poeta Adriano Espínola sobre o imenso Gregório de Matos, o mais importante nome da literatura brasileira no século dezessete, ao lado do Padre Antônio Vieira. Nascido na Bahia, Gregório mudou-se para Portugal aos dezesseis anos, para terminar os estudos secundários. Na sequência, cursou Direito em Coimbra, onde começou a destacar-se no meio literário, como autor satírico.

Depois de três décadas fora do país, voltou ao Brasil, vindo a residir, novamente, em Salvador. Ali, cantou a cidade em seus becos, esquinas, ruas e vielas, produzindo registros importantes sobre os modos de viver e de conviver no Brasil colonial seiscentista, retratando o comportamento dos dirigentes políticos e eclesiásticos, mas também falando do povo, sem qualquer tipo de discriminação. O valor de sua obra, no entanto, não se limita ao que documentou dos hábitos e costumes de seu tempo, ou das relações de poder que vigoravam em sua época. Seus poemas permanecem vivos e fortes até hoje – passados trezentos e trinta anos de sua morte – pela força de sua expressão linguística e pelo modo como a eles incorporou a diversidade e a riqueza da oralidade e dos coloquialismos.

Chamado por Adriano Espínola de um dos “enigmas da literatura brasileira”, Gregório de Matos também é muitas vezes mencionado como um “incrível fantasma” porque sua obra é apógrafa, o que significa dizer que ela foi reunida por terceiros e atribuída a ele. Outra característica notável de sua produção é a multiplicidade de vozes que ele foi capaz de emitir: fez poemas satíricos, jocosos, encomiásticos, religiosos, eróticos e lírico-amorosos.

Fiel ao espírito do Barroco, de que foi um dos mais refinados expoentes, foi artista marcado por intensas contradições: era, ao mesmo tempo, nativista e anti-brasileiro, juiz e réu, homem da corte e marginal, “plagiário” e original, popular e erudito. Entre os temas que mais abordou, Espínola destacou aqueles típicos do momento histórico que tocou a Gregório testemunhar: os movimentos da miscigenação racial na Bahia de seu tempo e a intensa mobilidade social que a caracterizava. Entre os grandes estudiosos de seu legado, vale realçar – além de Adriano, que escreveu o excelente “As artes de enganar: um estudo das máscaras poéticas e biográficas de Gregório de Matos”, fruto de sua tese de Doutorado – os nomes de James Amado, Fernando da Rocha Peres e Ana Miranda, que assinou os deliciosos “Boca do inferno” e “Musa praguejadora”.

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