‘Um relato para a história – Brasil: nunca mais’: quarenta anos de um clássico
Neste 2025 que apenas começa, celebramos as quatro décadas de publicação de um livro fundamental para a compreensão de período recente da vida institucional brasileira: “Um relato para a história – Brasil: nunca mais” (Editora Vozes, 312 páginas). Lançada em 1985, a obra é uma excepcional reportagem sobre os resultados da rigorosa pesquisa nos processos que tramitaram na Justiça Militar brasileira, especialmente no Superior Tribunal Militar, entre 64 e 85. Pesquisa que durou seis anos – de 79 a 85 – e foi empreendida por iniciativa da Arquidiocese de São Paulo, então liderada pelo notável e saudoso Dom Paulo Evaristo Arns.
Em seu prefácio, intitulado “Testemunho e apelo”, o estimado prelado contextualiza bem a que veio a publicação, que confirmou, com dados oficiais, o quanto a prática da tortura se estabeleceu, no âmbito do aparelho repressivo do Estado, como sistemática e frequente, no período analisado. Vale a pena prestar atenção na mensagem veiculada, também em texto introdutório, por Philip Potter, antigo secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas, importante órgão do movimento ecumênico internacional. Sua reflexão é profunda e abrangente: “(…) a prática da tortura é uma indicação dos valores herdados que influenciam uma sociedade ou nação. O que aconteceu no Brasil precisa ser visto à luz da sua longa história, desde 1500, quando os primeiros colonizadores chegaram. O tratamento dos índios, a cruel instituição da escravidão, que somente foi abolida em 1888, e a forma violenta como o Brasil foi explorado, através dos séculos, tudo isso deixou suas marcas na mentalidade do povo e especialmente das classes dominantes”.
Dividido em vinte e um capítulos, o livro descreve, em pormenores, os métodos de tortura utilizados contra os opositores do regime, como o “pau de arara”, o “choque elétrico”, o “afogamento”, a “cadeira do dragão”, referindo-se, ainda, a outras modalidades, como as que se utilizavam de insetos, animais e produtos químicos. Em seção específica, explica o que era feito contra os menores e as mulheres grávidas.
Em seguida, explica a origem do regime, como ele se consolidou e como atuavam os seus aparatos e as suas leis. Destaque especial é dado aos depoimentos forjados e às confissões falsas, elementos indispensáveis ao funcionamento de seus mecanismos policiais e judiciais.
Hoje um clássico, o livro merece ser lido, relido, e, sobretudo, estudado, pelo tanto que revela da história do país e das mentalidades doentias que desfrutam, até hoje, de tanto poder.
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