Desfazendo um equívoco
“Uma voz inconfundível em defesa (…) da liberdade fundamental da pessoa.” (José Alencar, saudoso vice-presidente, a respeito do também inesquecível Arcebispo Alexandre Gonçalves Amaral)
Cumpro hoje promessa feita a diletos amigos espiritistas engajados em edificante trabalho assistencial e espiritual. Aconteceu o seguinte: recentemente, alguém do grupo, num bate-papo descontraído, classificou de extrema e agressiva intolerância a atuação da Igreja Católica com relação às demais crenças religiosas, ao tempo em que o saudoso Alexandre Gonçalves Amaral esteve à frente da Arquidiocese de Uberaba. Esclarecendo que a observação incidia em equívoco, anunciei o propósito de relatar um episódio capaz de desfazer essa errônea impressão, ao que parece gravada na memória de algumas pessoas. Como sabido, sou autor do livro “Um Certo Dom”. Na obra focalizo aspectos frisantes da vivência encharcada de apostolicidade do mencionado religioso. Um ser humano dotado de sabedoria incomum e cultura fulgurante. Bispo mais moço do mundo à época da sagração, Bispo com maior tempo de presença eclesial no mundo na fase outonal da existência. Falecido em 2002. Que o Bispo punha ardor e veemência nas palavras ao expor suas convicções é fato de ululante obviedade. E nem seria de se esperar nada diverso. Coisa já bem diferente é imaginá-lo, lança em riste, dedo no gatilho, a investir, de forma desabrida, inclemente, descaridosamente, contra os sentimentos religiosos alheios. Se ainda vivo e na posse plena dos dons de inteligência com que foi agraciado pela vida, Alexandre – não nutro dúvidas a respeito – estaria atuando como arauto da palavra ecumênica. Engajado, certamente, no esforço das lideranças religiosas mais conscientes, do Dalai Lama ao Papa Francisco, que procuram mostrar ao mundo a chave em condições de abrir, de par em par, as portas do entendimento fraterno aos homens de boa vontade, de todos os credos, etnias e idiomas. Seja acrescentado que Alexandre era reconhecido como o Bispo da “Ação Católica”, movimento que estabeleceu condições para uma participação mais incrementada dos leigos nos trabalhos da Igreja. A história contada a seguir ajuda a desmanchar a pecha da “intolerância religiosa”. Nos anos 50, “O Cruzeiro” mandou a Uberaba um repórter e um fotógrafo. O editor do texto se confessava espiritista. A atenção da revista voltava-se para uma experiência invulgar que estaria sendo vivida nos redutos do famoso sensitivo Chico Xavier, figura humana de notáveis predicados morais e espirituais. Sustentava-se que esses redutos vinham sendo palco de um fenômeno de efeitos físicos conhecido no vocabulário espírita sob a denominação de “materialização”. O caso ficou conhecido como “a materialização da Irmã Josefa” e ganhou ressonância nacional. Os repórteres obtiveram autorização para documentar, com o emprego de câmeras fotográficas, o que sucedia nas sessões. O que viram não lhes pareceu convincente. Registraram, de modo enfático, que os indícios apontavam no sentido da possibilidade de grosseira mistificação, produzida por falsos sensitivos, gente que estaria abusando da boa fé de Chico Xavier. Claro que o assunto rendeu polêmica. O “Correio Católico”, combativo diário da Arquidiocese, tinha o “dever sagrado” de entrar, batendo forte, nas discussões acesas e, muitas vezes, azedas, segundo o entendimento de alguns membros do laicato católico e de um ou dois sacerdotes, não mais do que isso. Revejo-os, irritados, na sala do diretor Padre Antônio Thomaz Fialho, a profligarem o que tachavam de imperdoável desinteresse do jornal pela momentosa questão. Em sua concepção, graças a “O Cruzeiro”, a hora era mais do que propícia “para se desmascarar a farsa espírita”… Quem se der, algum dia, ao trabalho de percorrer as edições do jornal, correspondentes a essa época, vai constatar que o mesmo não publicou uma única linha sobre o assunto. Calou-se serena e respeitosamente. Surge aqui, agora, a explicação: a ordem para o procedimento assumido partiu do próprio Alexandre. A decisão relembra-me a cara de contrariedade de alguns radicais que se consideravam “mais católicos do que o Bispo”. Eles crivaram de críticas ásperas os redatores do jornal, pela “incompreensível” posição assumida, “diametralmente oposta à fé cristã”, ousavam proclamar. * Jornalista ([email protected])
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