Afundar na lama

Se dúvidas houvessem sobre as proporções tomadas pela disfunção do sistema político brasileiro, colocado à beira de uma crise de insondáveis proporções, elas acabam de ser sepultadas diante de mais um escândalo na Câmara dos Deputados. Falamos da aprovação da chamada “PEC da blindagem”, que sob o falso pretexto de proteger a integridade de mandatos na realidade escancara o distanciamento em que se colocam parlamentares, ou precisamente os 311 que votaram a favor, de suas mais elementares obrigações. E da mesma forma que se distanciam da opinião pública, assim imaginando que possam se colocar acima de tudo e de todos, consagrando a impunidade em que buscam abrigo.
Concluída a votação, e com agilidade que também guarda distância com hábitos e costumes da Câmara, mas é de fácil compreensão diante de questão que será adiante colocada, aguarda-se agora manifestação do Senado. E com expectativa de que pelo menos em parte os absurdos consumados possam ser corrigidos, evitando danos que se estendem inclusive à possibilidade de que o véu protetor seja suficientemente denso para facilitar e encobrir ainda maior infiltração do crime organizado no espaço parlamentar. Nada, afinal, que mesmo os mais pessimistas – ou seriam apenas realistas ? – até há pouco tempo imaginariam.
Como já foi dito, é falsa a afirmação de que as medidas em discussão visam proteger a integridade de mandatos e seu livre exercício, conforme manda a Constituição. A blindagem, ou impunidade, desce a um nível rasteiro, absurdamente exigindo que mesmo processos criminais só possam avançar depois de autorizados pelos próprios parlamentares, decidido em votação secreta, longe dos olhares indesejados da opinião pública. Tudo com um sentido geral, preventivo, porém com foco imediato. Porque a ameaça mais próxima vem do Supremo Tribunal Federal (STF) e pelas mãos do ministro Flavio Dino, que apura a destinação de recursos que a partir de emendas parlamentares acabam perdidos e sob fortes indícios, em parte já confirmados, de que possam ter sido desencaminhados.
Não faltaram advertências a respeito, além de decisões que foram tomadas como interferência descabida. Certo é que, conforme se diz em Brasília, o dedo acusador de Flavio Dino pode apontar para centenas de deputados federais, o que não estaria longe de acontecer. Eis o sentido mais imediato da blindagem, ou da busca de impunidade, que está em vias de acontecer, mas que ainda pode ser barrada antes que o Legislativo brasileiro afunde na lama e no completo descrédito.
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