Editorial

Seria cômico se não fosse trágico: ampliar número de deputados traz implicações nas contas públicas e na gestão

A conta pode chegar aos R$ 75 milhões/ano, isso somente num cálculo muitíssimo elementar
Seria cômico se não fosse trágico: ampliar número de deputados traz implicações nas contas públicas e na gestão
Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados

Para um país em que o desequilíbrio das contas públicas pode ser condicionante – e obstáculo – à estabilidade e plena recuperação da economia, aqueles que têm o poder de transformar a realidade revelam-se aquém de seu dever. Para muito além e a julgar pelo exemplo mais recente, chegam a exibir absoluta falta de responsabilidade. Ou o mais completo despudor. Estamos falando de mais uma conta que pode chegar aos R$ 75 milhões/ano, isso num cálculo muitíssimo elementar, e recém-saída da Câmara dos Deputados que esta semana aprovou a criação de mais 18 cadeiras destinadas a novos parlamentares. Falta chancela do Senado, tida como bastante provável, para que mais uma farra seja consumada em mais um daqueles casos que poderia ser dado como cômico se não fosse trágico.

Conforme já fartamente noticiado, o Supremo Tribunal Federal (STF) cobrou da Câmara adequação à determinação constitucional no que toca à proporcionalidade entre o número de habitantes de cada Estado e as vagas correspondentes no parlamento. Ao pé da letra, ou da lei, e conforme informações colhidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o entendimento é de que o ajuste implicaria na supressão de 14 cadeiras. Uma ideia de baixíssima atratividade nos porões da vida política nacional, que tem exatamente nas cadeiras reservadas a deputados federais um de seus pilares, o suficiente para que a restrição tomasse rumo contrário, conforme votação realizada em regime de urgência.

Vergonha, absoluta e completa vergonha, talvez não para aqueles que sabem, entre muitíssimos outros exemplos que poderiam ser lembrados, que o Congresso concentrou um quinto dos recursos destinados a emendas parlamentares, o que implica em R$ 9,7 bilhões, em ações genéricas. Também aqui exatamente o contrário do que reclama o Supremo Tribunal Federal, com demandas que chegaram a ser apontadas como exorbitantes e interferência indevida, porque exigiam, simplesmente, transparência. Não há como deixar de notar que o valor apontado acima, relativo a um único exercício, supera o total já apurado – em torno dos R$ 6 bilhões – da rapinagem nas contas de aposentados e pensionistas levada a cabo pelo menos desde 2016, conforme apontou a Polícia Federal. Tudo rendendo farta exploração política em que absolutamente só não dá para perceber mínima sinceridade.

E tudo isso para desnudar, como se ainda fosse preciso, o ponto a que chegou à desconexão entre a representação política formal, em que repousa a própria democracia, seus deveres, responsabilidades e, por extensão, a própria sociedade. Um vazio que tristemente vai muito além das implicações nas finanças públicas, na gestão como um todo e na qual o parlamento também deveria ter papel diferenciado. Resta acreditar em algo como um sopro de razão que venha do Senado para corrigir mais este desatino.

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