Editorial

As feridas intocadas

As feridas intocadas
Crédito: Reuters/Adriano Machado

No ambiente da política a distância entre ficção e realidade costuma ser grande e desse fato mais uma vez encontramos comprovação na nova polêmica dos últimos dias, em que se discute, a partir das mais altas esferas de governo, se será ou não possível zerar, no exercício fiscal do próximo ano, o déficit fiscal.

Promessa de primeira hora do atual governo, que, sempre será preciso repetir, tomou posse encontrando situação caótica por conta de decisões e da gastança desenfreada do ano anterior. O objetivo apresentado foi dado em esferas técnicas como de difícil, quase impossível cumprimento. Até há pouco nos gabinetes oficiais era dito o contrário e, assim, mantida a promessa que há pouco menos de uma semana o presidente Lula em pessoa se encarregou de colocar em dúvida.

Numa fala talvez precipitada, do ponto de vista estratégico, na sexta-feira (27), durante café da manhã com jornalistas, reconheceu que “dificilmente” o governo conseguirá alcançar a meta do déficit zero, restabelecendo-se o equilíbrio entre receitas e despesas. E tudo isso na dependência de um incremento de receitas hoje estimado em R$ 168 bilhões. No mesmo dia o secretário do Tesouro Nacional disse que tudo se tornou mais difícil por conta do cenário externo. Tudo isso sem contar a possibilidade de que algumas despesas lançadas no Orçamento para 2024 possam ter sido subestimadas. Algo tão catastrófico quanto a previsão de R$ 914 bilhões para os gastos previdenciários, rubrica em que pode estar faltando pelo menos R$ 16 bilhões.

A respeito, o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, disse e repetiu que as metas estão de pé e como que respondendo à ala do governo que teme que tudo termine em postergação de investimentos, acrescentou que a resposta – e a solução – está na retomada do crescimento econômico, o que faria com que as receitas também cresçam. Mas nessa nova rodada de discussões, que certamente ainda não terminaram, continuou faltando um ponto para o qual temos chamado atenção, junto com inúmeras outras vozes, para o fato de que a questão não se resume a aumentar receitas. Será preciso também cortar despesas, não aquelas essenciais, como na saúde ou educação, evidentemente, e sim a gastança que se mantém intocada, como se o andar de cima do poder fosse e continue sendo um mundo à parte.

Aquele onde cabe um pouco de tudo que confirma as evidências de que o Estado brasileiro teria sido sequestrado por variadas castas de servidores, donos de privilégios até agora intocados, embora pesem muitíssimo nas contas de um Estado gordo e deformado e, também nesse aspecto, vergonhosamente desacreditado. Não tocar nessas feridas sugere que elas não incomodam como deveriam.

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