Esquerda fora do jogo

Tilden Santiago*
O artigo de hoje é escrito em homenagem a José Costa, fundador do DIÁRIO DO COMÉRCIO de quem esse “escriba” aprendeu muito, por mais de 20 anos de jornalismo, de política com P maiúsculo, de sabedoria de vida. Em meu texto, tento me contrapor ao ensaísta e tradutor Luiz Sérgio Henrique, organizador das obras de Gramsci no Brasil. Artigo assinado por ele no Estadão: (16/12), domingo – ele defende que a esquerda é necessária, afirmando literalmente que “sem um centro e uma esquerda de novo tipo, o caminho para transformação das relações entre cidadãos e poder, gente comum e elite política, estará fechado”.
Não penso que o avanço histórico do Brasil passe hoje pela esquerda como ponte necessária. Ele independe de contribuição exclusiva seja da esquerda, seja da direita, seja do centro, seja da ultradireita. Aliás, o diagnóstico que trabalha com a classificação “esquerda x direita” não nos ajuda a diagnosticar bem a realidade e muito menos sanar os descaminhos do Brasil e mesmo do mundo.
O uso dessa dicotomia nasceu, por acaso, a partir da posição (geográfica) ocupada no salão em que duas facções da revolução francesa se situaram. Posteriormente ela guardou ênfase em filósofos antes de Karl Marx, mas sobretudo com ele que na sua análise do Capitalismo soube salientar cientificamente o papel do Trabalho e do Capital, como fatores fundamentais no novo modo de produção que surgiu e cresceu no mundo.
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Seus seguidores, mesmo os que faziam do Marxismo, um mero instrumento de análise da Sociedade e da História, sempre qualificado como eixo central de seu pensamento e de suas políticas, os trabalhadores, as grandes massas oprimidas, vistos como esquerda, em contraposição à direita composta pelos proprietários de meios de produção social. Embora Engels e outros empresários tenham abraçado o Marxismo.
Não vejo no Brasil de hoje a possibilidade de, pelo menos nos próximos 20 anos, ser a esquerda, protagonista do desenvolvimento brasileiro como aconteceu com o PT, com Lula no planalto. Esse grande rio que foi o PT, formou-se graças a três afluentes dos quais participei: 1) o sindicalismo combativo, após grandes greves; 2) os cristãos que entraram na luta social, sobretudo os católicos advindos do Concílio Vaticano II, da Ação Católica, da CEBs, da Teologia da Libertação; 3) dos intelectuais socialistas de esquerda, da universidade e da cultura, que rejeitavam o Stalinismo, a União Soviética, o Partidão e o PCdoB. Muitos deles trotskistas.
Essa tríplice simbiose, a meu ver, tão cedo se repetirá. Era algo historicamente muito forte e em parte revolucionário retirando do gueto dos núcleos rebeldes, as ideias socialistas. O conjunto da esquerda fala de refundação. Mas ainda estão tentando criar uma frente de esquerda ou quem sabe, uma frente democrática como resistência, unindo-se com dificuldade sem aceitar o PT.
Na verdade, a meu ver, o que o Brasil precisa é de uma refundação da Política, da Ética, da República, do Estado, do Sistema Partidário e não apenas deste ou aquele partido, com esta ou aquela ideologia. No fundo, é a refundação do Brasil que não passa apenas pela política e pelo poder de Estado, mas que só se dará com a participação direta de todo o povo brasileiro.
A esquerda sempre repetia: “A luta continua”, dentro dos seus objetivos. Hoje, os verdadeiros progressistas repetem que a luta continua pelo próprio povo brasileiro, dentro de seus objetivos, sem discriminação de ninguém.
Hoje a classificação correta a meu ver é entre “progressistas e conservadores”. A resistência só será forte e eficaz historicamente, se for de uma “frente democrática”, sem as mesquinhezas da esquerda, da direita ou do centro no rumo de um novo Brasil.
É o que o povo quer: um Brasil sem corrupção, sem violência, sem toma-lá-dá-cá, sem desigualdades gritantes, sem fome, sem crime organizado, sem morador de rua. O povo já o disse nas urnas em 2018. A esquerda e o centro não ouviram! O povo não viu em ambos força e coragem para atingir seus objetivos, especialmente o fim do Sistema Político Partidário da Velha República. A visão que exponho aqui é fruto de 55 anos de militância política, sindical e cristã e da leitura de meu guru atual, Edgard Morin e do que escreveu Gramsci, dos porões do fascismo italiano. Com o primeiro, o indignado de 94 anos, aprendi que o conceito central no mundo de hoje é uma “transformação” e não uma “revolução”, ainda que heroica. Do herói Gramsci aprendi a importância da “hegemonia democrática”, que nos leva a saber somar harmoniosamente com os aliados e ouvir o que pensam e dizem os adversários, antes de anatematizá-los a priori. Só através da “hegemonia democrática”, o agente humano da “transformação” consegue atuar com foco no “todo” e não em benefício de uma das partes.
- Jornalista, embaixador e militante
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