Opinião

Igreja Romana preocupa Planalto

Igreja Romana preocupa Planalto
Foto: Reprodução

Tilden Santiago*

A Igreja Católica Romana no Brasil já começa a preocupar o Planalto! Isso acontece desde o Concílio Vaticano II (1962-1965), que arejou um pouco os ares conservadores e os espaços cobertos de mofo e teia de aranha dessa milenar e histórica instituição religiosa. Na América Latina, na África e na Ásia, após o Vaticano II, os pobres, os trabalhadores, os oprimidos e excluídos, inclusive as vítimas de barragens, encontraram na Igreja um espaço de sobrevivência, de consolação e de defesa de seus legítimos interesses, especialmente nas áreas dos direitos humanos.

Isso acontece quando se poda um pouco a liberdade da sociedade civil e quando as forças de oposição perdem espaço na esfera política, inclusive por seus próprios erros no exercício do poder e na ética, como aconteceu no Brasil. Cria-se um vazio. E como em política não existe “espaço vazio”, cidadãos cristãos convictos de que o social é um prolongamento de sua fé e de suas instituições religiosas, acabam ocupando espaço natural dos partidos políticos de oposição, especialmente de esquerda, que são jogados para fora do jogo político. É o que aconteceu após 1964.

Agora a preocupação do governo brasileiro é com a preparação do Sínodo sobre a Amazônia, que reunirá em Roma, em outubro, bispos de todos os continentes convocados pelo papa Francisco. Muito pertinente, já que a Igreja de Roma se pretende “católica” – universal – e a Amazônia é um problema do mundo, na sua agonia ecológica e humana, e não apenas do Brasil e da América Latina.

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O Planalto quer conter o que ele mesmo considera uma intromissão da Igreja Católica na liderança da oposição ao governo Bolsonaro, no vácuo da derrota e da perda de protagonismo dos partidos de esquerda.
Aliás, a emergência de Bolsonaro, como candidato à Presidência, se deu quando ele e/ou seu mentor decidiram investir na impossibilidade do petismo se manter no poder e de Aécio Neves vir a disputar novamente o Planalto.

Em seguida, nesse jogo das peças que se movem na conjuntura política, veio a calhar a entrada de evangélicos fundamentalistas como Silas Malafaia, Edir Macedo, Valdemiro Santiago, a Igreja Universal e outros, inclusive judeus, no espaço que era anteriormente do PT e da esquerda. Aliás, muitos desses religiosos eram mais contra Lula e o PT do que apoiadores de Bolsonaro.

E o Planalto agora entra nessa contraofensiva, com toda força, liderada por ninguém menos que o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), figura expressiva do Exército Brasileiro, de extrema confiança do capitão e uma das colunas que mais sobressaem no seu governo.

Informes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e dos comandos militares não deixam dúvidas sobre a preocupação e reação deles e do governo recentemente eleito.

O Sínodo vai discutir o que o Planalto considera uma “agenda de esquerda”, nesses tempos em que tanto se pensa e se fala de “marxismo cultural”, nas esferas do governo.

A agenda do Vaticano durante 23 dias do Sínodo sobre a Amazônia abordará material explosivo, pura dinamite do ponto de vista do governo: situação dos povos indígenas, quilombolas e mudanças climáticas provocadas por desmatamento.

Do ponto de vista da Igreja, que muitas vezes na História jogou água benta no colonialismo contra índios e negros, o Sínodo e sua preparação soam como um profundo “mea-culpa” em tempos de quaresma e uma retomada do Movimento da Igreja dos Pobres, da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

É a volta da famosa opção preferencial pelos pobres, que remonta não só à Ação Católica Especializada dos anos 50, mas à seiva de redenção do libertador Yeshua de Nazaré veiculada pelo Colégio Apostólico, a partir de Jerusalém, da Samaria, da Judeia e da Galileia (Nazaré, Cafarnaum e Lago de Genezaré) onde tudo começou.

  • Jornalista, embaixador e anglicano

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