O Corvo (XXII)

MARCO GUIMARÃES *
Curioso com o achado inusitado, resolvi procurar a remetente que morava no Vale das Cerejeiras, que ficava atrás de uma das montanhas circunvizinhas ao sítio do meu pai. Para mim, não seria difícil chegar ao local. Por muitas e muitas vezes atravessara aquela montanha e me aventurara pelas imediações.
Uma vez lá, busquei informações que me levassem à dona do bilhete.
— Bom dia, o Sr. poderia me dizer onde fica a casa da Alzira? — perguntei ao dono de uma venda da região.
Ele levantou um pouco a cabeça, devolveu o cumprimento e, apertando um pouco os olhos, me perguntou:
— E qual a sua precisão em saber isso?
Na minha inocência contei-lhe a história do bilhete, o que lhe causou um misto de surpresa e leve irritação.
— Ah, essas meninas de hoje… Fosse minha filha já ganhava uma coça, e daquelas bem dadas.
Depois de hesitar um pouco, disse que eu não representava nenhum perigo e acabou me mostrando como fazer para chegar onde eu desejava
Gigantescos pés de eucalipto se sucediam, colados uns aos outros, margeando o caminho até a casa da misteriosa missivista. As folhas desses eucaliptos lançavam no ar um perfume que até hoje guardo em minha memória olfativa. Do outro lado da montanha, onde eu vivia, também se podia notar as perfiladas árvores, ao longo da estreita estrada de terra, que desembocava no portão de minha casa. Mas, fosse lá quem as tivesse plantado, optara por substituir pés de eucalipto por frondosos mangueirais.
Uma chaminé soltava uma fumaça cinzenta, que era carregada para o sul por uma leve brisa, sinal de algum fogão aceso, alguém provavelmente preparando o almoço. Um jardim bem cuidado, no qual rosas vermelhas e lírios competiam por espaço, se antecipava à entrada da casa. O cheiro de eucalipto, até então único responsável pelo perfume que inundara o ar, fora agora substituído pela fragrância dos lírios e das rosas.
O sol não poupara esforços para banhar com amarelo-ouro aquela manhã, e seus raios aproveitavam os pequenos espaços oferecidos pelas folhas das mangueiras (afastadas por força da brisa) para incidir sobre uma menina, apoiada no parapeito de uma das janelas da casa, fazendo brilhar os longos e dourados cachos que desleixadamente lhe caíam sobre os ombros. Seu olhar distraído não notou de imediato a minha chegada, mas, assim que me aproximei, sem mostrar qualquer sinal de surpresa, ela me perguntou por que eu estava lá.
*Escritor. Autor dos livros “Fantasmas de um escritor em Paris”, “Meu pseudônimo e eu”, “O estranho espelho do Quartier Latin”, “A bicha e a fila”, “O corvo”, “O portal” e “A escolha”
Ouça a rádio de Minas