Opinião

Regular ou não regular a mídia

Regular ou não regular a mídia
Crédito: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A menção recente de Lula sobre “regular a mídia”, e a medida provisória editada há poucos dias por Bolsonaro para controlar as mídias sociais em nome da liberdade de expressão, trazem-nos novamente à traiçoeira questão: regular ou não regular os meios de comunicação?

Para enfrentar seriamente o problema, o primeiro passo é superar essa dicotomia. É tanto falso quanto prejudicial enquadrar o debate como se qualquer regulação jurídica da mídia fosse necessariamente censura, assim como a ausência de regulação necessariamente garantisse liberdades de comunicação para todos. Não podemos esquecer que a Constituição já estabelece direitos fundamentais de expressão e comunicação (art. 5, IV, V, VI, VIII, IX, X, XII, XIV e XLII), além da liberdade de imprensa e princípios que regulam a radiodifusão, as telecomunicações e a comunicação estatal (arts. 220 a 224 e 37, §1o). Sem essa regulação básica não há proteção contra censuras ou abusos em nome da liberdade de expressão, a proibição de monopólios ou oligopólios, e nem mesmo o direito à igualdade de representação e participação na comunicação social.

A questão que devemos nos fazer, então, é: quais são as melhores formas de regulação da comunicação social, e como aplicar e garantir o respeito às normas existentes?

Vivemos um cenário complexo que combina convergência tecnológica e agendas autoritárias Brasil afora. Enquanto as Big Techs e conglomerados de comunicação desfrutam de grande poder sem grandes responsabilidades, governos e grupos políticos e econômicos dominantes buscam se aproveitar desse poder, ou enquadrá-lo, para impor suas agendas no debate público. Esse cenário tem impactado tanto as indústrias de mídia quanto os direitos de comunicação necessários para a democracia.

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Diante disso, é bastante improvável e até perigoso apostar na criação de muitas leis específicas, ou numa lei geral de comunicações que possa abarcar todos os sistemas de mídia (público, privado e estatal) e todas as indústrias de comunicação e informação (imprensa, cinema, televisão, telecomunicações, mídias sociais etc.). Há normas constitucionais que demandam regulamentação? Sim. Há condições favoráveis para essa regulamentação? Não.

Então qual a saída? Lembremos que a liberdade de expressão e os direitos de comunicação devem ser garantidos “por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” (art. 19 da Declaração Universal). Isso significa que, diante desse cenário de convergência tecnológica, é necessário que haja também uma convergência entre as normas constitucionais e os marcos legais já existentes, cujas regras podem ser interpretadas por meio de analogias com as regras de diferentes sistemas e indústrias.

Por meio de uma regulação convergente podemos aplicar o princípio da publicidade da Administração sobre o uso de perfis de políticos e órgãos públicos em mídias sociais, ou a Lei Antirracismo (Lei 7.716/89) sobre discursos de ódio e seu financiamento na internet. Com as devidas adaptações, podemos aplicar à internet (e por que não às telecomunicações e à radiodifusão?) as regras do audiovisual previstas na Lei da TV Paga, como cotas para produções regionais e independentes e proibição de propriedade cruzada. Os princípios do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados também podem dar conta das demandas por mais transparência do uso abusivo das mídias sociais para campanhas de desinformação.

É tempo de inovar na interpretação e na aplicação das boas normas constitucionais e infraconstitucionais que temos, e de acompanhar o excelente trabalho da sociedade civil na área, como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e a Coalização Direitos na Rede.

* Professor doutor no Departamento de Jornalismo e Editoração na Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP) e coordenador do grupo de pesquisa Jornalismo Direito e Liberdade ECA/IEA – USP. E-mail: [email protected] menção recente de Lula sobre “regular a mídia”, e a medida provisória editada há poucos dias por Bolsonaro para controlar as mídias sociais em nome da liberdade de expressão, trazem-nos novamente à traiçoeira questão: regular ou não regular os meios de comunicação?

Para enfrentar seriamente o problema, o primeiro passo é superar essa dicotomia. É tanto falso quanto prejudicial enquadrar o debate como se qualquer regulação jurídica da mídia fosse necessariamente censura, assim como a ausência de regulação necessariamente garantisse liberdades de comunicação para todos. Não podemos esquecer que a Constituição já estabelece direitos fundamentais de expressão e comunicação (art. 5, IV, V, VI, VIII, IX, X, XII, XIV e XLII), além da liberdade de imprensa e princípios que regulam a radiodifusão, as telecomunicações e a comunicação estatal (arts. 220 a 224 e 37, §1o). Sem essa regulação básica não há proteção contra censuras ou abusos em nome da liberdade de expressão, a proibição de monopólios ou oligopólios, e nem mesmo o direito à igualdade de representação e participação na comunicação social.

A questão que devemos nos fazer, então, é: quais são as melhores formas de regulação da comunicação social, e como aplicar e garantir o respeito às normas existentes?

Vivemos um cenário complexo que combina convergência tecnológica e agendas autoritárias Brasil afora. Enquanto as Big Techs e conglomerados de comunicação desfrutam de grande poder sem grandes responsabilidades, governos e grupos políticos e econômicos dominantes buscam se aproveitar desse poder, ou enquadrá-lo, para impor suas agendas no debate público. Esse cenário tem impactado tanto as indústrias de mídia quanto os direitos de comunicação necessários para a democracia.

Diante disso, é bastante improvável e até perigoso apostar na criação de muitas leis específicas, ou numa lei geral de comunicações que possa abarcar todos os sistemas de mídia (público, privado e estatal) e todas as indústrias de comunicação e informação (imprensa, cinema, televisão, telecomunicações, mídias sociais etc.). Há normas constitucionais que demandam regulamentação? Sim. Há condições favoráveis para essa regulamentação? Não.

Então qual a saída? Lembremos que a liberdade de expressão e os direitos de comunicação devem ser garantidos “por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” (art. 19 da Declaração Universal). Isso significa que, diante desse cenário de convergência tecnológica, é necessário que haja também uma convergência entre as normas constitucionais e os marcos legais já existentes, cujas regras podem ser interpretadas por meio de analogias com as regras de diferentes sistemas e indústrias.

Por meio de uma regulação convergente podemos aplicar o princípio da publicidade da Administração sobre o uso de perfis de políticos e órgãos públicos em mídias sociais, ou a Lei Antirracismo (Lei 7.716/89) sobre discursos de ódio e seu financiamento na internet. Com as devidas adaptações, podemos aplicar à internet (e por que não às telecomunicações e à radiodifusão?) as regras do audiovisual previstas na Lei da TV Paga, como cotas para produções regionais e independentes e proibição de propriedade cruzada. Os princípios do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados também podem dar conta das demandas por mais transparência do uso abusivo das mídias sociais para campanhas de desinformação.

É tempo de inovar na interpretação e na aplicação das boas normas constitucionais e infraconstitucionais que temos, e de acompanhar o excelente trabalho da sociedade civil na área, como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e a Coalização Direitos na Rede.

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