Agronegócio pode lucrar com crise global, mas indústria ainda ‘patina’

Na avaliação da analista de negócios internacionais da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Verônica Winter, é justamente no agronegócio que o Brasil deverá encontrar as principais oportunidades diante da reorganização geopolítica mundial causada pela onda de barreiras tarifárias imposta pelo governo de Donald Trump.
“No caso do agronegócio, deve haver mais oportunidades que desafios. E o Brasil possivelmente vai conseguir absorvê-las, uma vez que já é um setor muito competitivo e que, de imediato, dá conta de atender as possíveis demandas. No caso da soja, por exemplo, já começa acontecer quase que de forma automática”, afirma.
Em relação à indústria, Verônica Winter explica que o cenário é um pouco mais complexo e as oportunidades vão depender do nível de maturidade internacional de cada empresa ou setor. Ela também diz que ainda pairam muitas incertezas em virtude das negociações bilaterais em curso.
“No setor automotivo, por exemplo, estão segurando um pouco as tarifas por um pedido das próprias empresas americanas, já que não é do dia para noite que terão todo o suprimento produzido localmente. E isso vale para todo o setor produtivo. Por isso ainda precisamos acompanhar os desdobramentos dos próximos meses, o que será negociado, revisto ou mantido”, pondera.
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A analista reforça que a reorganização das relações comerciais mundo afora pode significar desafios ou oportunidades. E que assim como ocorreu na época da pandemia de Covid-19, as empresas precisam, cada vez mais, alinhar suas estratégias com um mercado globalizado, mas, ao mesmo tempo, interdependente, livre de subordinações comerciais e econômicas. Para ela, esta é mais uma crise que mostra a importância de diversificação de produtos e mercados para além de China e Estados Unidos.
“O Brasil já tem alguns acordos comerciais vigentes que têm nos permitido diversificar com segurança jurídica e reciprocidade comercial, aos moldes do tratado entre Mercosul e União Europeia que, inclusive, pode ter sua conclusão acelerada com essa onda de restrições a partir dos Estados Unidos. Mas é bom lembrar que o país norte-americano é um parceiro comercial importante para o Brasil e o melhor caminho é a negociação. Governo e associações têm atuado bem nesse sentido, tanto que conseguimos ficar entre os países com tarifa de 10%”, explica.
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Pesquisador da Fundação João Pinheiro (FJP), Lúcio Barbosa concorda que mesmo diante do cenário ainda incerto, as maiores oportunidades devem acontecer no agronegócio, tanto para o Brasil quanto para Minas Gerais. Já os desafios, segundo ele, devem surgir na indústria, especialmente na siderurgia e nos setores com uso intensivo de aço.
“No curto prazo, caso eles não aumentem a produção local e isso provoque um aumento desenfreado de preços; e no médio prazo, se conseguirem se organizar, aumentando a produção e não demandando compras externas, fazendo com que Brasil e Minas não tenham para onde destinar parte da produção”.
Barbosa lembra que o Brasil ainda é pouco competitivo na indústria. “Por isso a indústria não vai conseguir se beneficiar tanto. Vai ser difícil conseguir aproveitar oportunidades de trazer para o País grandes plantas industriais, devido às falhas em infraestrutura, burocracia e até mão de obra”, justifica.
Por outro lado, ele lembra da existência de vetores favoráveis, como a matriz energética renovável. Segundo ele, todas essas questões pesarão na decisão das empresas.
O pesquisador da FJP também cita a reorganização das cadeias produtivas. Conforme o especialista, o processo de globalização experimentado no fim dos anos 1990 começou a ser revisto nos últimos anos, em uma espécie de desglobalização. E agora, as cadeias terão que se rearticular e se reorganizar mais uma vez.
“Não será como na Guerra Fria: quem está com quem. Mas os países precisarão se posicionar e saber com quem poderão contar. E o Brasil não é uma economia tão aberta ao mercado externo, já que o consumo interno é bastante elevado, por isso, mesmo com um impacto esperado, essa desglobalização deve trazer menos prejuízos para nós e poderia até ser uma vantagem neste primeiro momento”, avalia.
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Por fim, em relação a benefícios ao agronegócio, Barbosa pondera no que diz respeito aos preços domésticos dos alimentos. Isso porque, a partir do momento que o mercado internacional se fizer mais interessante e com muitos itens com cotação internacional, a inflação, que já está em níveis elevados, poderá subir ainda mais.
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