Entrevista com Álvaro Damião: ‘Belo Horizonte estava acomodada a falar não’

Álvaro Damião (União Brasil) foi eleito vice-prefeito de Belo Horizonte em 2024. Em abril deste ano, assumiu o posto máximo do Executivo da capital mineira, em função do falecimento de Fuad Noman (PSD). Desde então, lidera a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), mas garante que o mandato será de Fuad até o fim.
Em entrevista exclusiva ao Diário do Comércio, Damião, que é jornalista de formação, atuou por décadas na imprensa mineira esportiva e foi vereador por dois mandatos, falou sobre os desafios e metas como prefeito da terceira maior região metropolitana do País. Aliás, frisou o quanto e em quais áreas a cidade precisa aprimorar para não perder o posto e acompanhar o desenvolvimento mundo afora. Para isso, abordou temas como municipalização do Anel Rodoviário, instalação de placas de LED na Praça Sete, revisão do Plano Diretor e o relacionamento com os governos federal e estadual.
Confira, a seguir, alguns dos principais trechos dessa conversa e, em seguida, a íntegra:
“É preciso mudar a mentalidade e a filosofia de como pensar Belo Horizonte para os próximos anos”; “Se vem para melhorar a vida das pessoas, terá o nosso apoio”; “O Estado tem que nos ajudar, porque essas pessoas, além de ser serem belo-horizontinas, são mineiras”; “O que queremos é melhorar ainda mais a qualidade de vida daqueles que moram e que empreendem na cidade”; “A partir de agora, Belo Horizonte vai estar de portas abertas e com tapetes vermelhos para atender os empreendedores”; “Agora, o ‘não’ dentro da Prefeitura de Belo Horizonte é a segunda e última opção”.
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Você foi eleito como vice-prefeito de Fuad Noman e assumiu a prefeitura há dois meses. Qual o sentimento, os principais desafios e objetivos da gestão?
O primeiro desafio é o mandato, reconhecer e ter humildade para reconhecer que fomos eleitos juntamente com Fuad e, por isso, até 31 de dezembro de 2028 nosso mandato levará o nome dele. Entender também que fomos escolhidos por ele. Depois, há o desafio de que as pessoas não conhecem o prefeito, até porque o Álvaro também tem que se conhecer como prefeito. Ele sabe qual é a capacidade dele, onde quer chegar com a cidade em que ele nasceu. O desafio é mostrar para essas pessoas que a gente está preparado para desenvolver Belo Horizonte. Porque Belo Horizonte não pode mais se acomodar em ser a terceira maior capital do Brasil. Senão, ela acaba perdendo o posto. Daqui a pouco vem outra e Belo Horizonte vira a quarta, a quinta e, depois, para retomar o posto de terceira, vai ser difícil.
Quais são os principais investimentos e obras de infraestrutura previstos para o seu mandato?
Já tem muita coisa acontecendo e temos perspectivas para poder fazer outras obras. Temos dois viadutos sendo feitos na avenida Cristiano Machado, temos as obras de contenção de encostas, mais de 300 já realizadas nos últimos dois anos pelo prefeito Fuad e temos as bacias de contenção das enchentes, que ele começou e vamos dar continuidade. As chuvas que caíram em Belo Horizonte em 2025 e final de 2024 foram semelhantes às dos anos anteriores e não arrasaram a cidade por causa dessas obras, fruto do trabalho que a Prefeitura de Belo Horizonte está fazendo. Mesmo que ainda não em 100% da capacidade, elas já estão operando e os frutos já foram colhidos. Temos em Belo Horizonte obras das mais importantes do Brasil e isso nos orgulha muito e nos incentiva a fazer mais. Vamos procurar resolver o problema de mobilidade, com a municipalização do Anel, a expansão do BRT na Amazonas, que é um projeto ambicioso, também feito pelo prefeito Fuad. Estamos dando prosseguimento e semanalmente conversamos com os secretários para acompanhar o andamento. Temos também para todo o complexo da Lagoinha, incluindo a Praça Vaz de Melo, uma passarela que una o bairro ao centro da cidade e o túnel da Lagoinha. Belo Horizonte não pode largar os equipamentos dela como largou nos últimos anos.
Como está o processo de transferência do Anel para a PBH?
O Anel Rodoviário é do governo federal e do Dnit. O sonho de municipalizar o Anel Rodoviário já vem de anos e anos, mas nunca aconteceu. Foi concretizado juntamente com o Fuad, no ano passado. Participei de reuniões, inclusive com o presidente Lula e depois de muita conversa, conseguimos convencer o governo federal que o melhor para o povo de Belo Horizonte é a municipalização do Anel. Saímos de Brasília com a seguinte proposta: “fiquem tranquilos, o Anel Rodoviário será de Belo Horizonte”. Agora é preciso quebrar as barreiras burocráticas, como a transferência de recursos para poder fazer as duas primeiras obras, que são dois viadutos – o da BR-040 e o da Via Expressa, próximo à Arena MRV, bem como recapear e reformular todo o Anel antes de repassá-lo para Belo Horizonte. O Dnit já está fazendo isso. E tem também a regularização fundiária em torno do Anel. São muitos terrenos do Dnit. Estamos buscando desvincular a municipalização do Anel Rodoviário dessa regularização fundiária, porque isso vai demorar um pouco mais. Vamos a Brasília nos próximos dias para poder destravar isso. Queremos municipalizar o Anel independentemente do dinheiro dos viadutos, independentemente dessa regularização fundiária. A primeira coisa que vamos fazer é municipalizar o Anel. O Anel é de Belo Horizonte e Belo Horizonte vai cuidar dele. Ponto final.
Uma vez municipalizado, qual vai ser a prioridade?
O Anel já virá reformado, recapeado, com sinalização. Depois é dar uma geral. Nós conhecemos os problemas do Anel, sabemos que tem uma água que fica parada em época de chuva ali debaixo do viaduto próximo ao Shopping Del Rey. Belo Horizonte sabe disso, mas não pode fazer nada, porque essa obra só pode ser feita pelo governo federal. Sendo nós, vamos fazer de imediato. Belo Horizonte sabe que tem algumas saídas precárias, como a para a Praça São Vicente, sabe que ruas próximas da Arena MRV precisam ser recuperadas urgentemente, sabe que precisa de mais uma área de escape e uma base de emergência. Essas coisas a gente vai fazer de imediato. E tem todo um complexo que será feito depois, que é o novo Anel Rodoviário, que inclui oito viadutos e aproximadamente R$ 1,5 bilhão de investimentos, que vamos buscar recursos junto ao governo federal.
E aquela história de municipalizar também a Linha Verde. Seria uma tentativa talvez de evitar a cobrança de pedágio a que se propõe o governo?
O que eu vejo com preocupação é que as pessoas que passam pela Linha Verde não querem aquela área de pedágio ali. Sou prefeito de Belo Horizonte, não sou governador do Estado, então, não posso tratar de Pedro Leopoldo ou resolver os problemas de Vespasiano, mas sei que essas pessoas, quando saem dessas cidades, passam por Belo Horizonte e que todo esse trânsito chega à Capital. Por isso, eu tenho que estar preparado para resolver esses problemas. Já estou resolvendo, inclusive, pedindo ao próprio governo que nos ajude. Belo Horizonte paga uma conta muito alta por ser a capital do Estado. As cidades vão crescendo em torno de Belo Horizonte e o trânsito, a saúde, tudo fica para Belo Horizonte resolver. O Estado tem que nos ajudar, porque essas pessoas, além de ser serem belo-horizontinas ou serem de outras cidades, são mineiras.
E o Rodoanel? Você acredita que esse projeto vai trazer benefícios para Belo Horizonte? Existe a questão do traçado que Betim e Contagem questionam…
Betim tem que ver o que é melhor para Betim, Contagem tem que ver o que é melhor para Contagem e Belo Horizonte tem que ver o que é melhor para Belo Horizonte. Mas penso que não existe a possibilidade de falar que uma obra dessas será ruim. Não vai resolver todos os problemas de mobilidade da Capital e entorno, mas pode ter certeza que muita coisa vai melhorar e Belo Horizonte sempre vai estar ao lado daqueles que querem melhorar a condição de vida, não só dos que moram em Belo Horizonte, mas das cidades ao redor. Se vem para melhorar a vida das pessoas, terá o nosso apoio sempre.
O projeto de instalação de placas luminosas na Praça Sete não foi para frente? O que houve? Não há interessados ou os investidores estariam com receio do patrimônio histórico?
Nós aprovamos e transformamos em lei, agora depende dos investidores. Temos que mudar a mentalidade, pensar que Belo Horizonte é uma cidade, uma metrópole grande e que precisa crescer como qualquer outra grande metrópole do mundo. Não podemos tratar Belo Horizonte com atraso. Você pensar em não modernizar a cidade é um atraso. Ninguém está falando em nenhum momento que vai, por exemplo, tapar a fachada do Cine Brasil, que é tradicional, que é histórico. A modernidade, através desses painéis de LED, que já acontece no mundo inteiro, pode beneficiar nossa cidade. Isso vai atrapalhar a vida de quem? Isso vai piorar a vida de quem? Vai melhorar a qualidade de vida daqueles que passam pela Praça Sete, que vai ficar mais moderna, mais bonita, mais iluminada, e consequentemente, mais segura. Têm investidores, tem gente interessada e não acredito que o patrimônio seja um empecilho.
Qual a situação do terreno onde funcionava o Aeroporto Carlos Prates, ainda na dependência de recursos da União?
Ali sempre foi tratado com recursos da União e tem recursos da prefeitura também. Já temos uma Emei e um centro de saúde sendo construídos e, às vezes, quando se fala em novo bairro, as pessoas podem pensar que vai ser toda uma nova infraestrutura que vai trazer muitos problemas. Mas não é isso. É pegar aquela região e desenvolvê-la ainda mais. Temos um equipamento fantástico para poder desenvolver. Estamos melhorando a qualidade de vida dessas pessoas, trazendo avanços para esses bairros. Todas essas construções que estão sendo feitas pela Prefeitura de Belo Horizonte visam melhorar a vida das pessoas que moram em Belo Horizonte. Da mesma forma que preciso pensar um novo bairro Lagoinha. Não posso permitir apenas que o bairro Lagoinha seja o que ele é hoje. Ele está praticamente no Centro da cidade e para resolver o problema de mobilidade de Belo Horizonte, preciso fazer as pessoas morarem mais próximas do Centro. Como, se nem colocar LED na Praça Sete aceitam? É preciso mudar a mentalidade e a filosofia de como pensar Belo Horizonte para os próximos anos.
E isso passa também pelo Plano Diretor?
Ninguém é dono da razão. Eu apenas mostro, como prefeito da cidade, o que quero para a cidade; a comunidade, a população, o povo é que vai falar se também quer isso. E a Câmara de Vereadores também. A gente conversa diariamente com a Câmara sobre vários outros projetos e mudar a filosofia da cidade passa pela Câmara, passa pela vontade do prefeito e do vice-prefeito. Se não tiver vontade, vai ficar como estava, vai ficar como é. Mas o que é está ruim? Não. O que está ruim não é aquilo que Belo Horizonte é. Belo Horizonte é uma cidade linda, maravilhosa. Belo Horizonte é orgulho de nós que nascemos aqui, dos belo-horizontinos. É orgulho de Minas Gerais. O que queremos é modernizar, melhorar ainda mais a qualidade de vida daqueles que moram e que empreendem na cidade. Quem é empreendedor tem que entender que, a partir de agora, Belo Horizonte vai estar de portas abertas com tapetes vermelhos para atendê-lo.
Qual sua principal preocupação ou crítica ao atual Plano Diretor?
O que percebi como vereador nesses oito anos é que Belo Horizonte é uma cidade que se acomodou a falar ‘não pode’ para tudo. Não pode isso, não pode aquilo. Por quê? Porque o não é muito mais fácil falar. Acaba. Falar sim para as pessoas dá trabalho. Falar sim é tirar o bumbum da cadeira e deixar de ser acomodado. Belo Horizonte estava acomodada a falar não; nada podia. E isso a gente não pode mais aceitar. Agora, o não dentro da Prefeitura de Belo Horizonte é a segunda e última opção.
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