Assembleia aprova projeto que autoriza a renegociação da dívida

A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou ontem o Projeto de Lei 3.711/22, que autoriza o governo estadual a renegociar a dívida pública. O texto é considerado uma alternativa ao Regime de Recuperação Fiscal e pretende, conforme informou a casa, regularizar a situação do Estado junto à União. No entanto, este não é o caminho que o Poder Executivo de Minas Gerais deve seguir para resolver um imbróglio que se arrasta há mais de duas décadas.
De acordo com o secretário de Estado de Fazenda de Minas Gerais (SEF/MG), Gustavo de Oliveira Barbosa, a Lei Complementar 178, sancionada pelo presidente da República em janeiro de 2021, cujo texto permite ao Estado refinanciar as dívidas – e até mesmo aquelas não pagas devido a liminares garantidas em ações judiciais – já era de conhecimento do Estado. Contudo, o secretário aponta que a Assembleia não discutiu justamente que o mesmo artigo autorizativo prevê que o Estado deve abrir mão das liminares.
Na prática, conforme explica o secretário, a assinatura de um eventual contrato com a União poderia gerar um pagamento anual de R$ 1,1 bilhão. Mas, com a condicionante de que o Estado deve apresentar protocolos com os pedidos de desistência perante às decisões judiciais, conforme estabelece o parágrafo cinco, do artigo 23 da Lei Complementar, Barbosa acrescenta que o valor sobe para R$ 4,9 bilhões ainda neste ano.
Nos anos subsequentes, as parcelas anuais seriam de R$ 10,6 bilhões (2023), R$ 11,5 bilhões (2024) e R$ 10,9 bilhões (2025), no caso do refinanciamento proposto e aprovado pela ALMG, ainda de acordo com o secretário.
“Para um Estado que está tentando se equilibrar, eu posso atestar que é inviável. E o Estado não tem esse recurso”, afirma o secretário de Estado de Fazenda. Ele acrescenta, ainda, que caso o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) seja adotado, o Estado pagaria em torno de R$ 1,1 bilhão neste ano, com a adesão da regularização da dívida, e somente em 2023 haveria um desembolso de R$ 3,5 bilhões já relacionado ao RRF.
Rolagem de pagamentos
Conforme explica o gabinete do deputado estadual Hely Tarqüínio (Partido Verde), autor do projeto de lei, a preferência do governo estadual não tem quaisquer vantagens econômicas, mas políticas. Isso porque a diferença entre a proposta de adesão à Lei Complementar 178 e Regime de Recuperação Fiscal é que o Executivo estadual ganharia apenas um respiro nas primeiras parcelas.
“O governo apenas empurraria o problema para as próximas administrações. Após o oitavo ano, o valor das parcelas do Regime ficariam excessivamente maiores do que os do PL 3.711. O PL 3.711 permite a renegociação das parcelas vencidas diluídas ao longo de 30 anos, e o Estado retornaria ao pagamento das parcelas normalmente, isso significa um pagamento quase que linear ao longo do tempo. A proposta do regime faz uma rolagem. Não se pagaria nada no primeiro ano e as parcelas seriam crescentes até o final do trigésimo segundo ano. Em ambas as propostas, a dívida teria que ser paga normalmente”, disse em nota o gabinete.
Além disso, em contraponto à Fazenda, o gabinete informa que diante de liminares que garantiram o não pagamento de dívidas e recursos recebidos pela arrecadação de impostos elevados pela inflação e pelo acordo com a Vale, é possível que o governo estadual tenha saldo suficiente para a quitação das parcelas iniciais.
Em comparação aos caminhos até agora discutidos na Assembleia, o gabinete do deputado Hely Tarqüínio aponta que na proposta aprovada pela Casa o governo pagaria um montante de 235 bilhões de reais. Enquanto isso, no Regime de Recuperação Fiscal, a dívida final chegaria a R$ 290 bilhões. Para além do valor, o gabinete questiona um eventual congelamento de investimentos em Minas Gerais e em políticas públicas com a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal.
Terceiro caminho
Em análise às propostas, os economistas Eulália Alvarenga e Paulo Feitosa, que se debruçam sobre os estudos da dívida pública de Minas Gerais há anos, acreditam que o projeto aprovado pela Assembleia não é tão superior, a termos de benefícios para o Estado, ao Regime de Recuperação Fiscal.
“Para enquadrar-se no estipulado no artigo 23 da LC 178/21, o Estado deve admitir desistir de toda e qualquer ação judicial que tenha dado origem à situação presente. Além disso, o PL autoriza que o Estado assine um contrato de reconhecimento de dívida, a partir do qual mesmo dívidas de origem espúria e indevida (como a capitalização de juros compostos – anatocismo; ou a discussão da inconstitucionalidade da cobrança de ou juros entre entes da federação), sejam aceitos e não possam mais ser discutidos em qualquer instância. Ou seja, o Estado assume o risco de assumir dívidas que não contratou e abrir mão de direitos, em última análise, da sociedade civil mineira”, afirmam em artigo.
Conforme ressalta a especialista Eulália Alvarenga, outro ponto que merece a atenção dos poderes Legislativo e Executivo é o parágrafo 6 do artigo 23, que estabelece que no caso do refinanciamento da dívida nos moldes da Lei Complementar 178, do governo federal, o ministro da Economia será responsável pelos critérios e condições necessárias na adesão.
Para os pesquisadores, esta é uma forma de o Estado entregar um cheque em branco para o ministro Paulo Guedes, sendo que corre-se o risco de serem aplicadas até mesmo aquelas regras já estabelecidas no caso da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal.
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