Política

Lorene Figueiredo defende diversificação econômica de MG

Candidata do PSOL a governadora do Estado propõe adoção de novo modelo de atividades produtivas
Lorene Figueiredo defende diversificação econômica de MG
Lorene Figueiredo abre série de entrevistas com os principais candidatos ao governo mineiro | Crédito: Will Araujo

O DIÁRIO DO COMÉRCIO inicia nesta quarta-feira (31) a publicação de uma série de entrevistas com os principais candidatos ao governo de Minas Gerais. O objetivo é dar luz às propostas no campo econômico, abordando assuntos do interesse do empresariado como investimentos, infraestrutura, gestão pública, desenvolvimento sustentável e a estruturação de um projeto de Estado que una a sociedade mineira em torno de um propósito comum.

A primeira entrevistada, Lorene Figueiredo, candidata pelo PSOL, é carioca, formada em História e possui especialização nas áreas de Educação e Políticas Públicas. Trabalha como professora desde 1985 e, atualmente, leciona no Departamento de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Como o governo pode impulsionar a economia e a geração de empregos e renda em Minas?

Historicamente, temos feito em Minas Gerais uma opção que é um pouco a expressão do que é o Brasil, voltada para uma produção de produtos de extração de baixo valor agregado, com um agronegócio extremamente predatório e sempre voltado para o mercado externo, o que cria fragilidades. Isso provoca degradação ambiental, diminuição da produtividade ao longo dos anos e menos empregos, além de criar uma dependência muito grande. O Estado tem uma dimensão verticalizada, concentradora, redutora de seu papel como investidor e promotor do desenvolvimento, mas que funciona para garantir benesses a setores muito específicos da economia. Uma economia voltada para uma acumulação de capital concentrada em nichos e que tem como função um processo de valorização do próprio capital. É como se a gente estivesse num grande esquema de pirâmide. E quem está na base da pirâmide vai sair mais prejudicado, não importa se é trabalhador, se é pequeno ou micro empresário. Por isso, defendemos uma inversão desse processo com a diversificação da economia, investimento na agricultura familiar e nos pequenos produtores articulados.

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Todos os últimos governos se elegeram propondo a diversificação econômica, com uma industrialização voltada a bens de maior valor agregado. Mesmo assim, pouco mudou no parque industrial mineiro. Como pretende mudar essa realidade?

Primeiramente não dependendo das benesses e dos favores das mineradoras. No PSOL temos orgulho de trabalhar exclusivamente com o fundo público para as eleições, o que permite um controle social. Isso não é privilégio, mas a garantia de que temos compromisso com os eleitores e com os cidadãos. A maioria dos candidatos de todos os governos que nos antecederam até essa eleição beija a mão das mineradoras e de outras empresas. Precisamos fazer aquilo que historicamente não tem sido feito, que é investir no desenvolvimento interno pensando também na transição agroecológica. A gente precisa pensar justamente como fazer para dar um salto de qualidade aproveitando o que já existe, mas sem aprofundar e manter a dependência da mineração. Minas é um estado de uma diversidade de biomas fantástica, com vocação para o turismo, e abundância de água. A diversificação da economia passa por um compromisso com o desenvolvimento de Minas Gerais e não de algumas empresas que têm os governos como sócios. Nós não queremos ser representantes de nenhum grande empresário, queremos que Minas funcione para todos e que seja uma terra de desenvolvimento econômico para todos.

Caso eleita, como será a relação de seu governo com e a mineração? Pretende endurecer as regras para a atividade?

Precisamos de uma grande regulação, porque, na verdade, Minas hoje funciona exclusivamente para as benesses desse setor, que sequer devolve os investimentos que são feitos e garantidos. Sobram para nós buracos, água contaminada, silicose no pulmão e redução da produção nas áreas onde as terras são mineradas. Se eu defendesse a monocultura, diria para transformar Minas Gerais num grande bananal, porque a gente ganha mais dinheiro exportando banana do que minério. Dados dos economistas do GT de economia do PSOL mostram que são pagos US$ 600 em uma tonelada de banana e US$ 82 em uma tonelada de minério. Sem contar que o minério acaba. Com o esgotamento das minas, o que vai ficar para Minas Gerais? O atual governo defende que a mineração na Serra do Curral. Argumenta que se fosse ilegal, não seria permitida. Mas existem estudos que mostram os impactos e pedem o impedimento. Vamos lidar com o setor pensando no bem-estar coletivo, naquilo que é melhor para todos. Onde não é possível minerar não será minerado. Onde já existe a mineração vamos promover um processo de transição para uma mineração segura. Porque 39 barragens de alto risco é inaceitável. São empreendimentos privados e quem faz a fiscalização são as próprias empresas. Isso é um absurdo. A construção de barragens hoje é feita de forma mais rápida e mais barata, mas menos segura. Não pode ser assim. O que a gente precisa fazer é regular fortemente esse setor e como a gente não depende deles para nada. Quem depende da mineração em Minas Gerais são as mineradoras. Vamos sentar, conversar e dizer: vocês já ganharam muito dinheiro, às custas, inclusive, da vida das pessoas. E nem na hora de pagar a multa isso foi feito da forma correta, adequada e preservando o mínimo de dignidade das pessoas.

Investimentos privados – como atraí-los? Em quais setores vê mais potencial?

A gente vai estimular em primeiro lugar aquilo que já existe e que está dando certo. Há experiências locais de desenvolvimento da Agricultura Familiar que a gente entende que enraíza as pessoas no seu território, algo que a gente pretende também para não sufocar as grandes cidades. Existe uma infraestrutura a ser recomposta no Estado, porque desde os anos 90 a gente vem caminhando no desinvestimento, o que causa uma perda de infraestrutura muito grande. A nossa malha rodoviária, por exemplo, que eu sequer defendo, para ser recomposta consumiria R$ 11 bilhões. E para quem pensa que Minas Gerais está estrangulada, só o projeto do Rodoanel vai consumir R$ 6,9 bilhões. Isso representa mais da metade do que a gente precisaria para recompor toda a malha rodoviária de Minas, que é uma das piores do País. Morre muita gente aqui, por conta da má conservação. A gente quer trabalhar na recomposição dessa infraestrutura, gerar postos de trabalho, colocar dinheiro na mão do trabalhador, gerar consumo e fazer a economia girar.

Veja um trecho da entrevista da candidata Lorene Figueiredo

São inúmeros os gargalos na infraestrutura do Estado. Como pretende saná-los?

A gente quer que as ferrovias ganhem vida de novo e, com isso, se tornem as veias da conversa de todas as regiões de Minas com energia limpa e sustentável. E isso também é uma boa frente de trabalho para resolver o problema do desemprego, porque é o Estado que tem que ser o grande promotor desse desenvolvimento. Estamos num projeto de desenvolvimento e de concepção em oposição ao do governo em vigor. Queremos esse pleno desenvolvimento a partir desse setor de transporte e da recuperação da infraestrutura, que vai caminhar para a diversificação da economia, porque na medida em que você garante o transporte, aumenta o direito à cidade e ao estado. Mobilidade passa necessariamente pela possibilidade de acessar direitos e de acessar o desenvolvimento.

Minas Gerais ainda se encontra em situação fiscal delicada. Como a política de desenvolvimento do seu programa leva em conta essa questão? Como equacionar as finanças do Estado?

Ninguém fará nada sob o Regime de Recuperação Fiscal. Dez anos de congelamento do que eles chamam de gasto público, na verdade são dez anos de desinvestimento. Isso significa que a infraestrutura degradada vai piorar e colapsar. E no que diz respeito a direitos e garantias sociais, significa escola e hospitais fechando sem ter pessoal para trabalhar. O Regime de Recuperação Fiscal não pode viger. A recuperação fiscal significa que vamos ficar amarrados no que diz respeito ao poder de investimento do Estado, mas vamos continuar garantindo as benesses para o setor privado. A dívida pública é negociável, depende da vontade de negociar e para quê. Nós temos boa vontade de negociar, mas queremos negociar em termos melhores para os mineiros e não para as empresas e nem para o capital financeiro. E a gente tem um governo que abriu mão dos créditos de compensação da Lei Kandir. Para quem deve R$ 152 bilhões, abrir mão de R$ 135 bilhões, aceitando receber R$ 8 bilhões parcelados, me parece que não temos problema com dívida pública.

Qual sua avaliação sobre a privatização de empresas públicas como Cemig, Copasa, Gasmig?

Energia, água, petróleo, gás, eletricidade e o próprio setor de transporte têm que estar sob controle público, coletivo. O Estado é a expressão da nossa vontade coletiva. É um escândalo que se queira vender empresas tão estratégicas. O grande legado do neoliberalismo e das privatizações é que você acaba com a capacidade de investimento do Estado. Construímos essas empresas na saída de uma grande crise, em 1929. E passamos os anos seguintes construindo um patrimônio de empresas estratégicas que foram pensadas para ser promotoras do desenvolvimento. Isso foi construído com dinheiro público. Com as privatizações, o Estado perde capacidade de investimento e deixa de ser promotor do desenvolvimento para ser devedor. Esse círculo vicioso de dívida precisa ser rompido. No mínimo deveria ser feito um amplo debate e um plebiscito. Da forma como está sendo feito é roubo.

Qual o seu plano para fomentar o agronegócio e, ao mesmo tempo, garantir que ele cresça ainda mais contemplando práticas que sejam determinantes para a preservação do meio ambiente e do clima?

É indecente que a gente seja o maior País e o maior Estado exportadores de alimentos e tenha 33 milhões de pessoas passando fome. De que adianta o agronegócio ter uma importante participação no PIB se ele não é capaz de alimentar o seu próprio povo? E também não é verdade que o setor é produtivo, porque essa produtividade gira em torno do negócio de grandes corporações e da compra de agrotóxicos. A gente defende a ampliação do suporte técnico e científico para os pequenos e médios produtores e para a agricultura familiar, promovendo uma transição agroecológica e trabalhando com subsídio de crédito agrícola. O que foi feito para o pessoal que está passando agora a seca no Norte de Minas? Qual a linha de crédito para a recuperação do pequeno produtor rural da região? Nas enchentes do início do ano várias regiões foram assoladas, o que foi feito? Queremos trabalhar na valorização da pequena produção, incentivando, inclusive a exportação. E também precisamos trabalhar com o aproveitamento do material humano que temos em Minas Gerais, que é de altíssima qualidade. Precisamos exportar conhecimento. É inaceitável que a gente não tenha um diálogo entre a pesquisa e o processo de desenvolvimento.

Nuvem de palavras mais repetidas pela candidata na entrevista

Como pretende trabalhar a saúde e a educação?

A educação é muito cara e importante para mim. Venho de 38 anos de magistério e dei aula para todas as séries e níveis, é preciso dizer que não existe nenhum projeto de desenvolvimento e de sociedade que esteja dissociado de um projeto de educação. E o nosso projeto de educação visa à emancipação, a criação de seres humanos livres, autônomos, cultos, formados cientificamente e felizes, que são, na verdade, aqueles que transformam o mundo, como dizia o saudoso Paulo Freire. O direito ao futuro, para nós, passa pelos direitos sociais, educação e saúde públicas e por uma economia voltada para o desenvolvimento do conjunto da sociedade.

Qual sua visão sobre os objetivos do desenvolvimento sustentável e como a agenda 2030 está inserida no seu programa de governo?

Em primeiro lugar, eu acho que a ONU tem um problema. Discutir desenvolvimento sustentável sem discutir o modelo capitalista é impossível. Isso é uma contradição entre os termos. Não existe desenvolvimento sustentável com o modelo capitalista que a gente tem. O mercado funciona de forma irracional e não é possível trabalhar com isso e pensar na sustentabilidade. A gente quer ir além. Até acho que exista uma vontade, mas é uma vontade abstrata, porque não se dispõe a discutir aquilo que é concreto, a vida econômica, o poder dos estados, das armas e dos super ricos. Queremos um desenvolvimento que seja voltado para a população. A gente precisa criar um novo modelo de vida. Existem modelos alternativos e sustentáveis que podem ser aplicados, inclusive oriundos de tecnologia nacional. São medidas simples que promovem o desenvolvimento e ainda contribuem para a preservação. E a gente precisa pensar essas coisas de forma orgânica. Não adianta pensar nos créditos de carbono e promover outros impactos.

Vivemos hoje em um mundo polarizado e carente de propósitos comuns. Qual seu projeto de estado para unir a sociedade mineira em torno de um projeto de futuro?

A gente tem apostado nestes últimos quatro anos na ignorância e no negacionismo. No meu governo vamos dialogar. O conhecimento me trouxe a compreensão da importância da dignidade. O problema não é você ter uma vida simples, o problema é quando te roubam a dignidade. E o que a gente tem hoje no País e no Estado é uma massa de população com a dignidade roubada. A gente precisa devolver isso para as pessoas, não por caridade ou porque somos donos disso, mas porque é dever, uma responsabilidade coletiva criar as condições para que as pessoas possam, com o seu trabalho, garantir suas condições de vida.

Desigualdade social e distribuição de renda são problemas hoje de extrema urgência. Como resolver estes temas estruturantes da sociedade?

Eu não passei fome, mas passei restrição alimentar e venho de uma família que passou. Por isso eu defendo tanto o papel do Estado e da promoção de direitos sociais, porque eu tenho isso marcado na história da minha família. A fome é inaceitável. Não dá para dormir em paz sabendo que tem 4,5 milhões de pessoas passando fome em Minas Gerais e 33 milhões no País. Não dá! Num mundo em que se joga fora comida, roupas, pneus… Vamos aprovar uma lei emergencial de combate à fome. É assim que vamos resolver o problema da fome de imediato: cuidando das pessoas diretamente. E com esse programa de desenvolvimento, com obras, infraestrutura e recuperação. Para que as pessoas possam recuperar também a dignidade. Porque como diz o Gonzaguinha, “sem o seu trabalho um homem não tem honra e sem a sua honra se morre, se mata, não dá para ser feliz”. 

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