Entidades apresentam pedido de impeachment

Brasília – Representantes de organizações religiosas protocolaram ontem pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, atribuindo a ele crimes de responsabilidade pela política sanitária durante a pandemia de Covid-19 e por sua postura em relação às vacinas, entre outros pontos.
Elaborada pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, a peça apresentada nesta terça aponta “ações criminosas” do presidente na condução do País durante a pandemia que “constituem-se em agressões diretas aos direitos fundamentais”. O pedido é promovido pela Frente Ampla Cristã, com o apoio do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), e da Comissão Nacional Justiça e Paz (órgão ligado à CNBB), além da Câmara Episcopal da Igreja Anglicana do Brasil (IEAB), entre outros, incluindo representantes de igrejas evangélicas e católicas.
“A nós aqui importa tratar, principalmente, daqueles (crimes de responsabilidade) que se relacionam às políticas de saúde pública, tão severamente afetadas pela atuação criminosa de Jair Bolsonaro. Além da desarticulação do Sistema Único de Saúde (SUS), que já vinha sendo posta em prática no primeiro ano de gestão, a pandemia da Covid-19 escancarou o desprezo do atual governo pela proteção à saúde da população e evidenciou condutas criminosas que expomos a seguir”, diz o pedido de impeachment protocolado ontem.
“Por suas condutas e omissões na pandemia Bolsonaro deixou de fazer o que estava obrigado como presidente. Deveria ter seguido as recomendações científicas para conter a doença, em vez de estimular o desprezo pela vida”, diz o documento.
“Deveria ter coordenado e seguido as orientações científicas para conter a doença… Deveria ter coordenado e planejado as políticas de saúde e sanitárias, função da União, para melhorar a gestão de leitos de UTIs”, acrescenta o documento, que também cita garantir isolamento social, realizar testes em massa, integrar os esforços na busca pela vacina e assegurar o auxílio emergencial para o enfrentamento do período difícil.
O pedido denuncia o presidente por crime de responsabilidade na área da saúde, que, “ciente de antemão da incapacidade de seu governo gerir essa enorme crise sanitária e, igualmente, os impactos econômicos imediatamente projetados”, teria dado “início a um festival de desinformação, de desorganização administrativa e de renovação de ataques aos entes subnacionais, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal”.
A peça cita declarações e atitudes do presidente minimizando a doença – considerando-a apenas uma “gripezinha” -, recomendando posturas contrárias às recomendações de autoridades sanitárias. Também o acusa de questionar e desrespeitar regras de obrigatoriedade de uso de máscaras, além de estimular aglomerações, e impor o que os cristãos consideraram “obstáculos” à aquisição de vacinas. Também aponta as declarações de Bolsonaro recomendando o uso da cloroquina e outros medicamentos sem comprovação científica como “tratamento” precoce para a Covid-19 e lembrou da mais recente crise em Manaus, com a falta de oxigênio nos hospitais.
“Em várias ocasiões tratou a pandemia com menosprezo e referiu-se às vítimas em tom depreciativo, como quando reagiu com um ‘e daí?’, disse não ser coveiro e que o Brasil precisava deixar de ser um país de ‘maricas’”, afirma o documento.
O Palácio do Planalto não respondeu de imediato a pedidos de comentários.
Pedidos – Bolsonaro era alvo de 61 pedidos de impeachment, quatro deles já arquivados e um não aceito por descumprir exigências de certificação digital de assinatura. Com este apresentado pelas entidades cristãs ontem, o total apresentado à Mesa da Câmara passa da marca de 62 denúncias.
Qualquer cidadão pode apresentar à Câmara dos Deputados uma denúncia de crime de responsabilidade contra a presidente, que pode levar ao impedimento. Cabe ao presidente da Câmara analisar os pedidos. Ele pode aceitá-los e dar andamento ao processo ou rejeitá-los, mandando-os ao arquivo. Também há possibilidade de parlamentares contrários à decisão do presidente Câmara apresentarem recurso ao plenário da Casa.
No pedido, os movimentos cristãos argumentam que o Estado é laico, mas isso não impede as pessoas religiosas de, “por sua prática, seja cristã ou qualquer outra, se envolver nas questões sociais que afligem a nossa sociedade”.
Procurada, a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto afirmou que não comentará o pedido protocolado ontem. (Reuters)
Presidente muda o tom e defende a vacina
Brasília – Em uma conferência com investidores, o presidente Jair Bolsonaro mudou o tom e defendeu a vacinação contra a Covid-19 como forma de fazer a economia brasileira voltar a funcionar, apesar de já ter questionado a eficácia das vacinas e defender que só deve ser vacinado quem quiser.
“Sempre disse que qualquer vacina, uma vez aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), seria comprada pelo governo federal. Só no ano passado assinamos em dezembro uma medida provisória destinando crédito de 20 milhões de reais para as vacinações e elas agora se tornam uma realidade para nós”, disse Bolsonaro na abertura da conferência organizada pelo banco Credit Suisse. “Já somos o sexto país que mais vacinou no mundo. Brevemente, estaremos nos primeiros lugares, para dar mais conforto à população, segurança a todos e de modo que a nossa economia não deixe de funcionar.”
Na verdade, de acordo com o site Our World in Data, que tem acompanhado a aplicação de vacinas no mundo, o Brasil é, com pouco mais de 700 mil doses aplicadas, o 14º no mundo. Já na comparação por 100 habitantes, é o 18º.
Por mais de uma vez, Bolsonaro questionou o investimento em vacinas, apesar de ter assinado em dezembro a medida provisória liberando 20 bilhões de reais para a compra dos imunizantes. Antes disso, obrigou o Ministério da Saúde a suspender um acordo inicial com o Instituto Butantan para aquisição das doses da Coronavac.
Além disso, levantou dúvidas sobre a eficácia das vacinas e possíveis efeitos colaterais, criticou os contratos propostos pelas empresas e chegou a dizer que seria mais útil investir em medicamentos para um suposto tratamento precoce que, na verdade, não existe. Os medicamentos defendidos pelo presidente não têm eficácia comprovada contra a Covid.
A mudança no tom da conversa com investidores segue a linha do que tem defendido o ministro da Economia, Paulo Guedes. Na segunda-feira (25), Guedes afirmou que a vacinação em massa é decisiva para a retomada da economia no País.
No evento de ontem, ambos defenderam, inclusive, a proposta feita por empresários brasileiros de comprar vacinas para imunizar seus funcionários e também doar parte ao Sistema Único de Saúde.
Compromisso fiscal – O presidente Jair Bolsonaro afirmou ainda que o governo manterá o compromisso com o teto de gastos e não irá transformar em permanentes medidas temporárias criadas para combater a pandemia de Covid-19. (Reuters)
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