Fernando Passalio: ‘Privatização da Copasa pode ser um grande avanço’

O abastecimento de água e a universalização do saneamento são desafios históricos para Minas Gerais, dadas a grande dimensão e realidades diversas do Estado. À frente da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Fernando Passalio assume como novo presidente da estatal e a missão de garantir não apenas a ampliação dos serviços mas também a melhoria contínua da qualidade da água e do atendimento à população.
Ex-secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Passalio assume a presidência da estatal, em meio aos esforços do governo mineiro de privatizar alguns de seus ativos, como forma de equalizar as finanças do Estado. Nesta entrevista, ele detalha os principais desafios e estratégias para atingir as metas estabelecidas no Marco do Saneamento, fala sobre o plano de investimentos de R$ 17 bilhões da Copasa, dos quais R$ 2,6 bilhões deverão ser executados ainda em 2025, discute a ampliação da cobertura de esgoto nas diversas regiões do Estado e os impactos das mudanças climáticas no abastecimento de água.
O executivo também fala sobre as possibilidades de desestatização da Copasa e qual prefere, visando não apenas os objetivos do atual acionista majoritário, mas também as premissas de prestação de serviço de água e esgoto em toda Minas Gerais.
Com um olhar pragmático, Passalio explica como a companhia vem reduzindo custos, acelerando processos e buscando eficiência para se tornar mais competitiva diante da crescente participação do setor privado no saneamento. E também compartilha sua visão sobre o futuro da empresa e seu compromisso em entregar uma Copasa mais moderna e sustentável.
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Como você encontrou a Copasa? Já deu tempo de se inteirar de tudo?
Antes de vir para cá, eu estava ocupando a função de secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico e, dentre as atribuições da Pasta, eu era o presidente do Comitê Gestor das Estatais. Então, todos os meses eu fazia o acompanhamento com o presidente e com o presidente do Conselho. E a Copasa teve anos importantíssimos de avanços importantes, mas nada como estar agora no front.
Qual será seu principal desafio?
O principal desafio é cumprir com a universalização prevista no Marco do Saneamento e fazer a melhoria contínua da operação da empresa. Porque não basta só chegar às metas que o marco estabelece, temos que chegar com qualidade. Acho que o aquele que paga a tarifa merece muito mais do que ele recebe. Já evoluímos bastante, mas a missão dada pelo governador Romeu Zema e pelo vice governador professor Mateus, que respondem como controladores da empresa, é continuar aumentando a percepção de qualidade do cidadão.
Qual o nível da universalização da Copasa hoje?
Hoje estamos com 99% na água. Praticamente batemos a meta do marco na água e, na questão do esgoto, estamos com 77%. Por isso, o grande desafio é qualidade, já que a gente chegou praticamente ao indicador de universalização. Mas uma coisa é a meta quantitativa batida, agora é a qualidade. E melhorar a qualidade cada vez mais tem a ver com disponibilidade. A gente sabe que essas mudanças climáticas, com ondas de calor, aumenta-se a exigência de água por parte da população. E nós temos a obrigação de ter água de qualidade e suficiente para qualquer tipo de intempérie que a gente venha a sofrer.
A PPP do Jequitinhonha vem para completar esse ciclo?
O saneamento básico enquanto política pública é algo que está das competências do governo. Há uma preocupação muito grande do governador de que a gente possa fazer o saneamento básico de qualidade, mesmo numa região menos favorecida. A região, inclusive, merece até mais atenção, porque é uma questão de saúde pública. E baseado nessa dificuldade, a gente estudou várias modelagens e chegamos a um modelo de parceria público privada para atender a 92 municípios. É a primeira PPP do País que irá além dos grandes centros urbanos, propondo soluções sustentáveis em água e esgoto também para áreas rurais. A gente precisa de uma atenção especial a este bloco e essa atenção especial será feito por essa PPP que está em andamento. Estamos na fase de pegar as assinaturas dos prefeitos e logo em seguida, teremos o edital.
O plano de investimentos de R$ 17 bilhões entre 2025 e 2029 prevê esses objetivos e quais outros?
Esses números são ousados. De 2019 a 2024, conseguimos executar R$ 7 bilhões de investimentos. O atual governo assumiu a Copasa investindo menos de R$ 600 milhões. E então houve esse cuidado de fazer com que a empresa tivesse lideranças técnicas, porque esse mesmo time, que é um time hiper qualificado, vai executar coisa da ordem de R$ 2 bilhões. Na prática, estamos fazendo mais obras, que vão reduzir aquela percepção que alguns têm de que a Copasa não é eficiente. E é isso, aos poucos, as pessoas vão entender que aquela falta d’água vai diminuir, que aqueles dias em que a pressão da água está baixa vão diminuir. Por mais lenta que ela seja, essa percepção está acontecendo. Por isso eu me orgulho de pegar um trabalho muito bem feito pelo presidente anterior e com a responsabilidade agora de fazer um pouco mais, porque nos últimos sete anos foram R$ 7 bilhões e nos próximos quatro teremos R$ 17 bilhões.
Como serão divididos esses aportes?
Em 2025 vamos executar algo em torno de R$ 2,6 bilhões; em 2026 e 2027 algo em torno de R$ 3,4 bilhões em cada ano e 2028 e 2029 R$ 3,7 bilhões em cada também. É uma meta ousada, mas é por meio de metas ousadas que a gente realmente faz coisas estruturantes. E para atingir essas metas, vamos ter que fazer um trabalho de trás para frente, que é continuar reduzindo despesas da empresa, melhorando nossa capacidade de contratação, com a diminuição do tempo e ampliando a qualidade. Já conseguimos reduzir o prazo médio de contratação de prestadores de serviços na ponta de 114 dias para 54. Mas quero diminuir mais, porque o desafio aumentou bastante. Uma coisa eu tenho certeza: gente boa e capacitada essa empresa tem.
Mesmo diante de tanto otimismo, algum ponto preocupa e pode se apresentar como entrave para essas metas?
Se a gente for fazer uma comparação com o mercado, com empresas privadas, a Copasa, enquanto instituição, é uma estatal de economia mista e ainda está submetida a uma série de fatores que acabam a deixando um pouco menos competitiva. Para fazer uma contratação, precisa seguir todo um rito legal que faz parte do contabilidade. E a empresa privada não precisa. Por isso, a empresa privada está numa velocidade muito maior do que qualquer empresa pública. O êxito é porque, apesar de ser pública, estamos sendo tão eficientes quanto. Então, imagine: se já temos esse grau de excelência enquanto empresa pública, imagine se a gente abrir a jaula do leão? Imagine como vamos conseguir fazer o crescimento dessa empresa?
Você veio para a Copasa também com a missão da privatização?
Eu vim com a missão de fazer a melhor empresa de saneamento básico do Brasil, a melhor empresa que o pagador de tarifas que estamos assistindo pode ter. O assunto privatização esteve comigo há dez dias, enquanto eu era secretário de Desenvolvimento Econômico e tinha um mandato dado pelo governador de trabalhar a privatização da empresa. Agora eu sou motorista do ônibus. Quem vem de ônibus é o dono. Então, o que eu posso dizer é o que não é segredo para ninguém, que o governo protocolizou na Assembleia o PL de privatização da Copasa e da Cemig. Agora o assunto está lá e é entre o acionista majoritário – governo de Minas Gerais -, com a Assembleia Legislativa, que representa o povo mineiro. Essa jornada legislativa vai gerar todo um percurso e eu daqui tenho que me ater ao meu escopo de fazer a melhor empresa de saneamento do Brasil. Vamos fazer isso, vamos superar essas metas, reduzir a percepção de ineficiência que a Copasa ainda tem. Isso vai acabar, a gente vai investir nessa melhoria e conseguir, com isso, enquanto um processo acontece lá entre o dono e quem pode autorizar o dono a fazer, melhorar esses processos.
Você falou há dez dias isso estava com você. Há dez dias, qual era a sua percepção?
Há dez dias, enquanto secretário, eu tinha um mandato de privatizar as estatais. No caso da Cemig, uma corporation e no caso da Copasa, ainda existem alternativas de modelagem que estão sendo estudadas e vão depender de como isso vai andar na Assembleia. Porém, isso não faz parte mais do meu job description. Agora é preciso falar com a minha sucessora, a secretária Mila Batista. Mas eu tenho minha opinião sobre a privatização.
E qual é?
A minha opinião é que a privatização pode ser um grande avanço para essa empresa, porque imagine a gente disputar de igual para igual com o privado? O que é que acontece agora é que a Copasa, quando os contratos vencem, a prefeitura faz uma licitação e nós temos que disputar como qualquer outra empresa e nossa capacidade de disputar como estatal é menor do que a de uma empresa privada. Então, para a perenidade da empresa, é imperioso o processo de privatização. A ineficiência natural que a legislação de empresas públicas impõe naturalmente tira bastante dessa eficiência que o mercado privado tem.
E o Propag trouxe também a opção de federalização. Qual você prefere?
O Propag visa abater uma dívida que o que o nosso controlador – o governo – tem e que é muito importante esse abatimento da dívida para que o Estado possa ter mais condições de investir nas áreas essenciais de saúde, educação e segurança. A privatização dá a empresa mais condições de eficiência, mais agilidade, mais dinamismo. É difícil dar uma opinião, mas acho que prefiro a privatização, pensando na empresa. O governador tem um zelo enorme em colocar no quadro diretivo dessa empresa pessoas de mercado, pessoas que têm conhecimento de saneamento e pessoas que têm uma condição técnica de fazer a empresa evoluir. Como ela está evoluindo com o mesmo quadro de empregados que são ótimos. Agora, se federalizar, o governo federal vai tomar conta. E se mudar de mão, a gente não tem garantia se gestões futuras terão o mesmo zelo em colocar nesta empresa lideranças técnicas.
No caso da privatização, o Estado se manteria como um dos sócios?
Isso é com o Estado. Eu não tenho mais o mandato de responder esse tipo de pergunta, mas acredito que muito disso vai fazer parte da discussão com os parlamentares. É neste âmbito que serão discutidas essas condicionantes.
Um dos grandes temores da população diz respeito aos funcionários. Eles serão absorvidos em outras estatais?
Primeiramente, os empregados terão oportunidade, caso a privatização venha a acontecer – mas ainda há um percurso muito longo para que isso aconteça – de serem contratos pela empresa que assumir. Nós já começamos a implantar o pilar principal e mais caro no quesito atuação, que é a meritocracia. E no privado reinará a meritocracia. Os bons empregados não precisam se preocupar, pois eles são necessários. São poucas empresas de saneamento e a eventual empresa que ganhar vai precisar de gente que entende de saneamento e essas pessoas já estão aqui dentro da Copasa. Não vejo porque dessa insegurança, que é natural.
Quais serão as garantias de manutenção da qualidade do serviço e do controle das tarifas?
Isso não vai mudar, porque a tarifa é calculada em cima de uma série de fatores que envolvem majoritariamente os investimentos realizados. Se uma empresa privada assumir a Copasa ela não vai poder majorar o lucro que ela quiser. É um serviço regulado. Existe uma agência reguladora – a Arsae –, que tem independência e que autoriza o aumento da tarifa. Para ela autorizar o aumento da tarifa, a empresa tem que justificar que está cumprindo uma série de indicadores que são aferidos e são muito, muito bem controlados. Nossa agência reguladora é muito forte, muito linha dura, e com uma nova empresa, também vai ser.
Como a Copasa vem se preparando para garantir o abastecimento em meio às mudanças climáticas?
Temos investimentos bilionários que vão contemplar várias regiões do Estado. Eu posso dizer um clássico aqui. A falta de água em Montes Claros era mais garantida que o carnaval. Estamos fazendo uma obra faraônica, interligando por dutos a cidade, ao rio. E essa falta de água praticamente não existe mais. Temos também obras na Região Metropolitana, que é um dos maiores gargalos, obras que vão garantir esse abastecimento. Precisamos ampliar cada vez mais a excelência na qualidade da água e na disponibilidade dela. Temos obras bilionárias nos rios Manso e Paraopeba, obras já em fase de execução, que vão garantir uma inteligência entre esses reservatórios para que a gente mitigue a possibilidade de ter falta d’água. A gente leva muito a sério os ODS da ONU e tem um foco muito forte em entender o papel da Copasa perante a sociedade. Com base nesse papel e em diversas ações, a gente tem a certificação Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3 e também figuramos no ranking da Revista Time como a melhor empresa de saneamento brasileira em crescimento econômico e sustentabilidade e a InfoMoney também enfatiza nosso crescimento.
O que você quer deixar como legado do período em que esteve à frente da Copasa?
Uma Copasa econômica e ambientalmente sustentável. Uma Copasa boa para as gerações atuais e também para as futuras gerações. Uma Copasa que cumpriu um ousado plano de investimentos e uma Copasa que seja orgulho para os mineiros.
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