Improviso em discurso pode se tornar armadilha para Lula na França

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem uma série de compromissos na Europa, nesta semana, e entre os destinos está a França, para participar da Cúpula por um Novo Pacto Financeiro Global, que contará com a presença de chefes de Estado e representantes governamentais. O compromisso ocorre após o chefe do Executivo federal se reunir com o Papa Francisco no Vaticano nesta quarta-feira.
Especialistas ouvidos pelo DIÁRIO DO COMÉRCIO alertam que o evento pode representar um novo diálogo com a França, importante parceiro internacional. No entanto, a pauta que tange o enfrentamento climático global pode se tornar uma armadilha, caso não tenha o envolvimento das principais economias emergentes.
A visita de Lula à França foi motivada por um convite do presidente Emmanuel Macron, que também estendeu o convite a outros chefes de Estado. O francês tem como objetivo propor a criação de um novo sistema financeiro, para enfrentar desafios globais em conjunto.
Segundo o cientista político da Universidade Mackenzie Matheus Bretas, “há a uma grande chance de que este encontro esteja se configurando mais como uma espécie de armadilha. Vemos que existe um interesse de Macron em estabelecer medidas emergentes para a resolução de assuntos climáticos, mas falta um consenso para um pacto de doadores ao Fundo da Amazônia e isso pode estar longe de se concretizar”, aponta.
Segundo ele, as propostas que serão apresentadas podem parecer que estão “a ignorar a tese de responsabilidades comuns, porém, diferenciadas no que se refere ao aquecimento climático”, afirma. No entanto, Matheus relembra que este tema estabelece que as principais economias têm uma responsabilidade histórica e agravante diante dos problemas das emissões de poluentes à atmosfera.
França é um dos principais braços industriais do Brasil
Na soma de 30 dias pelo exterior durante os seis meses de governo, a viagem de Lula à França é certamente a mais importante entre elas, segundo o cientista politico e sociólogo João Lucas Moreira Pires. “O encontro com Macron é relevante, pois a França é um dos países que mais faz aplicações ao Investimento Direto Estrangeiro (IDE) no Brasil”, diz.

Atualmente, cerca de 900 filiais de empresas francesas estão presentes em solo brasileiro, gerando a média de 500 mil empregos diretos. A agência francesa de desenvolvimento neste momento financia mais de 40 projetos no Brasil, cujos aportes chegam a ordem de 2 bilhões de euros, o que equivale a R$ 10,45 bilhões, de acordo com a cotação atualizada da moeda.
As empresas francesas têm hoje no Brasil o investimento direto de mais de 30 bilhões de euros. “Inclusive, é o maior parceiro brasileiro em cooperação de armamento de defesa. Todo o programa brasileiro de submarinos convencionais e de propulsão nuclear, por exemplo, é fruto de parcerias firmadas com os franceses”, elenca João Pires.
Cautela para evitar ruído internacional
Para o pró-reitor de graduação da Estácio-BH, o cientista político Marcos Quadros, um dos momentos mais importantes da visita à França é a possível fala do presidente Lula durante a cúpula. Segundo ele, Macron tem demonstrado cada vez mais que a sua agenda será pautada à realidade ambiental. Para ele, Lula precisa reacender essa discussão demonstrando um interesse brasileiro para tratar, por exemplo, da troca de carbono e de atividades de proteção como ator global.
“É preciso que Lula estabeleça esse diálogo, pois nos moldes como está sendo conduzido é um risco eminente e ostensivo, sobretudo, ao nosso agronegócio”, afirma. “Assim também vale a situação de discursar sobre o conflito na Ucrânia. Não adianta deixar-se conduzir pela agenda de outros países, correndo o risco de criar situações que gerem ruído. Lula precisa reforçar que o País (Brasil) é boa praça, que está ao lado dos menos favorecidos, tomando partido de um bloco específico. Caso contrário, isso acende uma problemática”, pontua Marcos Quadros.
João Pires avalia, ao que tudo indica, que o presidente novamente criticará a demora na reforma do sistema financeiro mundial. “Existe essa possibilidade de se tocar no tema da diminuição do uso do dólar em transações comerciais e o uso de outros moedas. Ele também pode pautar que os governos devem valorizar mais as políticas sociais”.
Improvisação
Para o especialista, trazer essas pautas à cúpula pode fazer com que exista um risco de o presidente sair do discurso planejado. “Saindo desse discurso, ele vai tentar improvisar e vai acabar, pois, a utilizar termos incorretos sobre o assunto. A diversificação de moedas para transações comerciais internacionais é um tema em pauta, mas é um assunto que deve ser tratado com o rigor e importância, e falas, metáforas mal calculadas, mais atrapalham do que ajudam no debate”, avalia.
Especialistas apontam quais temas podem trazer desenvolvimento ao Brasil
Embora as negociações do acordo comercial entre União Europeia e o Mercosul possam ser discutidas com o presidente Macron, os termos são extremamente complexos, afirmam os especialistas. João Pires destaca que os países europeus como Bélgica, Espanha, Polônia, Países Baixos e França têm no agronegócio de exportação interna ao bloco uma importante política econômica. “Sob os termos do acordo atual, eles competiriam com produtos vindos do mercado brasileiro, que são altamente competitivos em termos de preço e qualidade. Por outro lado, o governo argentino atual é veementemente contra o acordo”, diz.
Matheus Bretas destaca que, nos dois primeiros mandatos presidenciais de Lula, o acordo foi tratado, entretanto, não chegou a ser definido como uma pauta prioritária. “Atualmente, tendo o acordo devidamente assinado, o governo federal compreende que seja um excelente chance de trabalhar o avanço do setor agropecuário nacional”. Com efeito, essa estratégia pode colaborar para expandir a popularidade de Lula entre os envolvidos no agronegócio.
Já Marcos Quadros acrescenta que tratar de um plano que fortaleça o agronegócio nacional vai rejuvenescer o protagonismo e centralizar a figura de Lula diante do mercado internacional. “Isso faz com que o Itamaraty perca o protagonismo e centralize na figura de Lula. E Lula tem essa diplomacia presidencial de forma muito centrada como característica particular”, observa.
Hidrogênio verde
O que pode contribuir para uma boa participação de Lula na Cúpula é utilizar o governo brasileiro como uma possível fonte confiável ao bloco europeu no fornecimento de energia, em especial de hidrogênio verde, conforme sugere João Pires. “Esse aspecto é o que, hoje, o Itamaraty trabalha com vigor, pois pode ser uma parceria benéfica para os dois lados”, sugere.
“O Brasil, com potencial de exportar hidrogênio verde, a Europa em ter um fornecedor seguro. E no que tange o interesse dos dois, a Europa também exporta maquinário e o Brasil tem acesso às tecnologias necessárias para expandir a produção, pois atualmente as tecnologias para produção de hidrogênio verde são de empresas alemãs e dos Países Baixos”, conclui Pires.
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