Jair Bolsonaro já governa
Tilden Santiago*
Os jornais, a TV, o rádio, as redes sociais nos passam a impressão de que Jair Bolsonaro já está operando como presidente da República. O Temer já sumiu! Pelo menos a sua preparação e a montagem de seu ministério já antecipam uma ideia do que pode acontecer com o novo governo legitimamente eleito.
Como também é legítima, a disposição de partidos da esquerda e do centro, respeitada a legitimidade da situação, de ocupar um espaço democrático de oposição e até mesmo de ‘’resistência’’, se for necessário do ponto de vista da construção democrática e dos interesses do povo brasileiro – e da defesa dos direitos humanos, das minorias e da ‘’ sustentabilidade’’. Sem nos esquecermos do significado histórico, hoje, de formação de frentes democráticas, que superem a fragilidade dos partidos tanto da situação como da oposição e do próprio governo que nasce.
Do eleitorado de 147 milhões, 57,8 milhões (39,1%) votaram em Bolsonaro. Ele passaria a ser visto, entre seus apoiadores, como o único candidato à Presidência com capacidade e disposição para cumprir duas tarefas nada simples: 1) quebrar a rigidez do sistema político, abrindo espaço para que uma Nova Política ocupe o lugar da Velha; 2) dar continuidade à luta contra a corrupção que vem desde o impeachment de Fernando Collor e a erradicação dos anões do orçamento até o desempenho nos últimos anos da Lava Jato – e contra a violência inclusive do crime organizado.
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Além dos seus eleitores, os cerca de 60% do eleitorado que não votaram nele (a maioria dos cidadãos em condição de voto) hoje guardam a mesma expectativa, uns mais, outros menos. Aliás, o eleito já sabia da importância em liquidar ou diminuir a corrupção, bem antes de se tornar candidato presidencial. Éramos deputados federais e juntos observamos e ouvimos, em Brasília, quando o clamor popular foi sintetizado publicamente por um político que se celebrizou na resistência, e queda da ditadura e no Movimento das Diretas, Ulysses Guimarães: ‘’o primeiro mandamento da moralidade pública é não roubar, não deixar roubar e meter na cadeia quem rouba’’.
A nova equipe dá esperanças que essas reivindicações, que ecoaram nas urnas, serão analisadas e equacionadas? Alguns ministros indicados sim, a meu ver. Outros não. A própria realidade exige deles um bom e honesto desempenho.
A presença de Paulo Guedes na economia e do general Mourão no controle dos ministérios e das políticas públicas, por suas declarações, sinaliza uma firmeza e vontade política de executar o dever de casa da máquina pública no cumprimento patriótico das atribuições, que lhes cabe para melhorar a eficiência de funcionamento dos órgãos, como também a qualidade de uma economia política capaz de fazer nosso barco navegar nas ondas da crise, que ainda nos envolve, diminuir o desemprego e o abismo que temos entre ricos e pobres, a desigualdade social e econômica.
Outro gol de placa foi levar Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, com tantos poderes. Moro já provou saber cumprir uma ‘’missão”, apesar das críticas que lhe são dirigidas. Umas razoáveis, outras não.
O juiz, sendo ministro, impede o encerramento da luta contra a corrupção, através da Lava Jato, como tanta gente queria. E intensifica a força tarefa na medida em que tira essa luta dos limites exclusivos do Judiciário e da Polícia e a leva para o coração dos Poderes maiores da República. Bolsonaro escolhe um instrumento eficaz para cumprir o que se propôs contra a corrupção e a violência, como pede o povo brasileiro. Resta saber se a mesma eficácia será tentada contra o caduco sistema político ou se Bolsonaro será coagido a flexibilizar neste seu objetivo, pelas forças do centrão. Quanto a Moro, cabe-lhe também aperfeiçoar o combate à corrupção, sem privilegiar políticos e partidos e respeitar, com equilíbrio, os direitos de todos estabelecidos em lei.
Fica difícil afirmar o mesmo com relação ao filósofo colombiano, naturalizado brasileiro, Ricardo Velez Rodrigues, na educação e ao colega diplomata Ernesto Araújo nas Relações Exteriores – pela visão de mundo de ambos.
O primeiro não esconde ser contra o Enem, as cotas, a ideologia de gênero e ser a favor da Escola sem Partido ainda que sem pressa. Tem um viés sectário-ideológico contra os cidadãos e partidos da centro-esquerda vendo a doutrinação marxista em tudo, desmontando os valores tradicionais, que segundo ele, preservam a vida, a família, a religião, a cidadania, o patriotismo, os costumes e a moral.
Difícil confiar também em meu colega diplomata, embaixador recente, Ernesto Araújo. Bastaria lembrar algumas incongruências e equívocos que superam sua capacidade de resolvê-los: 1) China maoísta vista como líder de um complô contra o Ocidente, valores cristãos e a globalização; 2) a relação com o Mundo Árabe com a possível mudança de nossa embaixada em Tel-Aviv para Jerusalém; 3) o fim de relações diplomáticas com Cuba e a Palestina; 4) o posicionamento pró-EUA face à China, na guerra comercial (briga de cachorro grande!); 5) combate ao multilateralismo; 6) vacilação na questão climática; 7) mimetismo entre Bolsonaro e Trump; 8) posição ousada e arriscada face ao Mercosul. Imaginem as conseqüências para o país desse conjunto de posicionamentos. Ainda bem que o general Mourão tem clamado por ‘’cautela’’ em todos esses pontos. O debate, que não houve antes do segundo turno acontece agora. Felizmente!
Bolsonaro e seu mentor (quem?) demonstraram ‘’faro político’’ quando planejaram ocupar o espaço político deixado pelos erros do PSDB, PT e PMDB, especialmente após a queda de Dilma e a débâcle política de Aécio, o crescimento do antipetismo, a inércia do centrão e o apodrecimento do sistema político-partidário e a nulidade do governo Temer.
Agora, em circunstâncias diferentes, seria desejável que o ‘’faro político’’ ficasse mais aguçado em prol do Brasil e sua população, após a vitória eleitoral. A verdadeira vitória política é a partir de agora, uma vez no governo, o que não significa ter o poder nas mãos. Gostei da declaração do cantor Ney Matogrosso: ‘’Que acalme o coração e faça um bom governo’’. Posição admirável vindo de quem veio! Exemplo também é o colega jornalista Fernando Gabeira, quando nos convida a militar, como cidadãos, a partir de uma postura construtiva. Inch-Allá!
* Jornalista, embaixador e militante
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