Lula: “Nunca vi um mercado tão sensível como o nosso”

Brasília – O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, procurou minimizar a reação do mercado financeiro, que reagiu mal a declarações suas criticando a necessidade de cumprir regra fiscal em detrimento de gastos sociais e defender que algumas despesas deveriam ser consideradas investimentos.
“O mercado fica nervoso à toa. Eu nunca vi um mercado tão sensível como o nosso. É engraçado que esse mercado não ficou nervoso com quatro anos do (governo Jair) Bolsonaro”, disse Lula ao deixar o Centro Cultural Banco do Brasil, sede da transição de governo.
O dólar fechou em alta de mais de 4% e o Ibovespa caiu 3,61%, com os operadores pessimistas com riscos de descontrole fiscal do futuro governo e também com o anúncio do nome do ex-ministro Guido Mantega para a equipe de transição. O Ibovespa caiu 3,61%.
Em discurso a parlamentares aliados mais cedo, Lula disse que é preciso mudar alguns conceitos fiscais.
“Muitas coisas que são consideradas como gasto nesse País nós temos que passar a considerar como investimento”, disse o presidente eleito.
“Não é possível que se tenha cortado dinheiro da Farmácia Popular em nome de que é preciso cumprir a regra fiscal, cumprir a regra de ouro. Sabe qual é a regra de ouro desse país? É garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite e acorde sem ter um pão com manteiga pra comer todo dia. Essa é a nossa regra de ouro”, acrescentou.
A chamada regra de ouro, prevista na Constituição, proíbe o governo de se endividar para cobrir gastos como salários e custeio da máquina.
O mercado financeiro está tenso com a discussão em torno da elaboração de uma Proposta de Emenda à Constituição que garanta recursos fora do teto de gastos para a continuidade do pagamento do Bolsa Família – como voltará a ser chamado o atual Auxílio Brasil.
Forças Armadas
Lula disse ontem que a apresentação de um relatório sobre as urnas eletrônicas pelas Forças Armadas foi um episódio “humilhante” e “deplorável” para os militares e afirmou que o presidente Jair Bolsonaro deve um pedido de desculpas à sociedade e às próprias forças.
“Ontem aconteceu uma coisa humilhante, deplorável para nossas Forças Armadas. Um presidente da República, que é o chefe supremo das Forças Armadas, não tinha o direito de envolver as Forças Armadas a fazer uma comissão para investigar urnas eletrônicas, coisa que é da sociedade civil, dos partidos políticos e do Congresso Nacional, e o resultado foi humilhante”, disse Lula em discurso durante reunião com parlamentares em Brasília.
“Ele tem obrigação de vir à televisão e pedir desculpas à sociedade brasileira e pedir desculpas às Forças Armadas por ter usado as Forças Armadas, que são uma instituição séria, que são uma garantia para o povo brasileiro contra possíveis inimigos externos, fossem humilhadas apresentando um relatório que não diz nada, nada, absolutamente nada daquilo que durante tanto tempo ele acusou”, acrescentou.
As Forças Armadas fizeram parte de uma comissão de acompanhamento e fiscalização das eleições após um convite feito no ano passado pelo então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, e passaram a fazer eco aos questionamentos sem provas que Bolsonaro faz com frequência a respeito das urnas eletrônicas.
Mantega estará em grupo de transição
Brasília – O vice-presidente eleito e coordenador da transição de governo, Geraldo Alckmin, anunciou ontem que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega será um dos integrantes do grupo Planejamento, Orçamento e Gestão na transição do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao lado de Mantega neste grupo temático estarão também o deputado federal Enio Verri (PT-PR), a economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Esther Duek e o presidente do Conselho Federal de Economia, Antonio Corrêa de Lacerda.
Alckmin anunciou ainda os nomes para o grupo que tratará de Indústria, Comércio e Serviços, que terá o ex-governador do Rio Grande do Sul Germano Rigotto, o ex-presidente da associação das montadoras Anfavea Jackson Schneider, o diretor-geral do Senai Rafael Lucchesi, o deputado federal Marcelo Ramos (PSD-AM), entre outros.
Além disso, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) e o advogado Silvio Almeida estão entre os integrantes do grupo voltado a Direitos Humanos e Anielle Franco, irmã da vereadora assassinada Marielle Franco, integrará o grupo temático voltado às Mulheres.
Responsabilidade fiscal – Alckmin afirmou que a proposta de aumento de gastos prevista na chamada PEC da Transição não é incompatível com a responsabilidade fiscal, defendeu que o país precisa de investimentos para crescer e procurou minimizar o nervosismo do mercado financeiro ontem.
“Se alguém teve responsabilidade fiscal foi o governo Lula. Isso não é incompatível com a questão social. O que precisa é a economia crescer, esse é o fator relevante e aí é importante investimento, público e privado, recuperar planejamento e bons projetos. Essas oscilações de mercado nos dias de hoje tem inclusive questões externas, além da questão local”, disse Alckmin.
Dólar e juros futuros subiram fortemente nesta quinta, e a bolsa caiu, com o mercado reagindo mal à impressão de que o futuro governo estaria abandonando medidas fiscais em favor de mais gastos em 2023.
Alckmin destacou ainda que o Orçamento do próximo foi feito pelo atual governo não apenas sem a previsão da manutenção do Bolsa Família de R$ 600 reais, mas com cortes consideráveis em diversos programas.
“O Orçamento da forma que está não é factível para cumprir minimamente as tarefas de Estado”, argumentou o vice-presidente eleito.
Até agora, a chamada PEC da Transição prevê tirar dos limites do teto de gastos o programa Bolsa Família. Essa mudança permitiria ao próximo governo colocar mais recursos no programa para ampliá-lo – a previsão é de R$ 175 milhões para garantir o pagamento de R$ 600 por família e mais R$ 150 por criança até seis anos, uma das promessas de campanha de Lula.
Com essa mudança em si, o Orçamento de 2023 teria uma folga de R$ 105 bilhões dentro do teto para permitir a recomposição de diversos programas que tiveram cortes radicais, como a merenda escolar e o Farmácia Popular, entre outros. (Reuters)
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