Ministros do STF podem ficar fortalecidos

Brasília – O julgamento da ação que discute a ampliação do alcance do foro especial no Supremo Tribunal Federal (STF) tem potencial de ampliar os poderes dos ministros diante do Congresso Nacional e também do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O avanço do tema na Corte já provocou reação de integrantes da oposição, que ameaçam votar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que restringe o foro caso o Supremo altere as regras atuais, o que é a tendência. O tribunal já tem cinco votos para determinar que o foro seja mantido mesmo depois do fim do mandato parlamentar de políticos por qualquer causa -renúncia, não reeleição ou cassação.
O tema é discutido após uma mudança feita pela própria Corte em 2018, quando ficou decidiu que só crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo deveriam ser julgados pelo Supremo.
A mudança nas regras do foro em 2018 reduziu a quantidade de processos que tramitam no tribunal. Dados de 2022 do STF mostram que o número de ações penais e inquéritos na Corte caiu 80% em relação ao período vigente antes da mudança da norma.
Se for firmado novo entendimento do Supremo, isso significa que boa parte dos processos de parlamentares continuaria nas mãos do STF, o que aumenta o poder de pressão da corte em relação ao Legislativo, que tem encampado uma série de propostas que contrariam os magistrados.
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Na leitura de quem acompanha os bastidores do Supremo, esse é justamente o principal motivo para ministros aumentarem o alcance do foro. Em outra frente, o julgamento também pode acabar com uma das principais contestações da defesa de Bolsonaro, com efeito em todos os cinco inquéritos no quais é investigado.
O primeiro caso que ensejou operação contra o ex-chefe do Executivo, em maio do ano passado, é o da suspeita de fraude em cartão de vacina. Na ocasião, foram apreendidos os documentos, o celular e o computador do ex-ajudante de ordens Mauro Cid.
O agravo regimental da defesa de Bolsonaro argumenta que o Supremo não tem competência para julgar o caso e que ele deveria ser remetido para a primeira instância. O argumento é de que não há relação com o mandato de presidente. Com base nisso, os advogados também pediram a nulidade de todas as provas.
Mas as provas obtidas nessa primeira investigação influenciaram todas as outras quatro nas quais Bolsonaro e aliados são investigados. Menos de um ano depois, Cid tornou-se colaborador da Polícia Federal.
Um dos cinco votos já favoráveis à tese de ampliação do foro, o relator, ministro Gilmar Mendes, defendeu que o investigado deve perder a prerrogativa só se o crime foi praticado antes de assumir o mandato.
Pedido de vistas
O julgamento foi interrompido, na última sexta-feira (29), por um pedido de vista do presidente do STF, Luís Roberto Barroso. O magistrado votou em 2018 para restringir o alcance do foro especial, o que foi visto por uma ala da política como um gerador de impunidade, já que ações penais no Supremo costumavam ter andamento mais lento.
Segundo aliados, Barroso interrompeu o julgamento para analisar melhor o caso por entender que o voto do relator ampliou o alcance do foro para além do entendimento anterior a 2018. Mesmo assim, a aposta no tribunal é que o novo entendimento, que amplia o alcance do mecanismo, deve ser aprovado.
Os ministros Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Flávio Dino acompanharam Gilmar. Mesmo com a suspensão do julgamento, Alexandre de Moraes decidiu antecipar o voto para acompanhar integralmente a posição do relator.
Parlamentares de oposição se queixaram do movimento do STF de mudar a jurisprudência seis anos depois de firmá-la. Bolsonaristas querem, como resposta política, votar no plenário da Câmara a PEC que restringiria novamente o foro.
O texto, de 2017, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e por uma comissão especial da Câmara, aguardando ser pautada para ir a plenário. A proposta restringe o foro especial na Justiça aos presidentes da República (e o vice), da Câmara, do Senado e do STF.
A deputada Bia Kicis (PL-DF) disse que deve tratar deste tema com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), na próxima semana. “Nós falaremos, com certeza”, disse.
“Essa decisão (do STF) caminha no sentido contrário do que o Congresso pretende fazer. Está muito claro que estamos trabalhando para pôr fim ao chamado foro privilegiado ou foro por prerrogativa de função, uma medida que já se mostrou injusta. O voto do ministro Gilmar, ao contrário, quer ampliar a competência do STF para julgamentos penais, alterando decisão já sedimentada pela maioria da corte há pouco tempo”, afirmou. (Julia Chaib e Marianna Holanda)
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