Oposição reage a indulto de Bolsonaro

Brasília – O partido Rede Sustentabilidade apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) na sexta-feira (22) uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra o perdão de pena concedido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao deputado Daniel Silveira, condenado pela corte a 8 anos e 9 meses de prisão.
A legenda pede, de forma liminar (provisória), a suspensão imediata do decreto publicado na quinta (21). Também requer que a corte declare a incompatibilidade do indulto individual a Silveira.
A ação foi distribuída para a ministra Rosa Weber, que será a relatora do caso. Ela é responsável pela investigação que mira Bolsonaro por suspeita de prevaricação no caso da compra da vacina Covaxin.
Geralmente, antes de qualquer decisão, os ministros colhem a opinião da Procuradoria-Geral da República.
Por causa de ataques aos membros do Supremo, o parlamentar foi condenado pela mesma corte por 10 votos a 1. Os ministros também aprovaram cassar o mandato de deputado, suspender os direitos políticos de Silveira, que articula candidatura ao Senado, e aplicar multa de cerca de R$ 192 mil.
A Rede afirma que há “claro desvio de finalidade” na concessão do perdão ao deputado.
“Ao exercer sua misericórdia com um dos seus mais fervorosos apoiadores, certamente o presidente da República não está munido pela bússola do interesse público, mas do seu mais vil e torpe interesse egoístico”, afirma a ação.
A legenda ainda argumenta que Bolsonaro passa a incentivar ataques às instituições, “na certeza de que o presidente da República concederá o indulto ou a graça a todos os envolvidos no cenário de delinquência criminosa”.
Para o partido, se nada for feito, Bolsonaro terá maior chance de concretizar “sua antiga vontade” de se perpetuar no poder, “inobstante os meios para tanto e, literalmente, custe o que custar”.
O julgamento de Daniel Silveira é mais um caso que opõe o tribunal ao governo Bolsonaro. O mandatário chegou a mobilizar atos golpistas em setembro de 2021 que tiveram a corte como alvo principal.
A Rede também pede que Bolsonaro, a AGU e a PGR sejam ouvidos no processo.
Decreto
Já a bancada do Psol na Câmara protocolou na sexta um projeto de decreto legislativo para derrubar o decreto do perdão da pena a Silveira.
No texto, os parlamentares apontam que o deputado “é um dos maiores símbolos da aposta na ruptura das instituições democráticas”.
“Recentemente, o parlamentar repetiu uma das cenas mais lamentavelmente marcantes das eleições de 2018: a quebra da placa de Marielle Franco pelas mãos de Rodrigo Amorim e do próprio deputado Silveira, então candidatos pelo PSL”, afirma a bancada do Psol.
O deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) também apresentou uma ação popular à Justiça Federal do Distrito Federal solicitando uma liminar para suspender o decreto.
“Trata-se de situação que viola a separação dos poderes, um dos pilares da nossa democracia, e que por isso justifica a imediata suspensão do ato ora atacado para a preservação da Constituição, da integridade das instituições e para frear eventual escalada autoritária impulsionada pelo Chefe do Poder Executivo”, diz o texto.
Congresso
Na quarta-feira (20), mesma data da condenação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu aumentar a pressão sobre o STF. Ele reivindicou no Supremo que deputados tenham a palavra final sobre a perda de mandato de colegas condenados.
Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse, em nota, que mesmo sob possível “motivação político-pessoal” não há razão para o decreto ser invalidado.
“Também não é possível ao Parlamento sustar o decreto presidencial, o que se admite apenas em relação a atos normativos que exorbitem o poder regulamentar ou de legislar por delegação”, declarou Pacheco.
O indulto individual não tem precedentes, o que levanta dúvidas sobre os seus efeitos. Trata-se de um instrumento que, em tese, livra o deputado da pena de prisão, mas não da inelegibilidade. Ou seja, Silveira continuaria impedido de se candidatar na eleição deste ano.
Em geral, os indultos, previstos tanto na Constituição quanto na legislação penal, são coletivos e beneficiam diversos condenados que cumpram requisitos objetivos, como tempo de prisão. O de Bolsonaro é diferente porque se dirige a uma pessoa em particular, além disso, foi emitido antes de terem se esgotado todas as chances de recurso judicial.
Entidades criticam o perdão da pena do deputado
São Paulo – A iniciativa “Pacto pela Democracia”, composta por mais de 200 organizações, movimentos e atores políticos, elaborou nota em que critica a iniciativa de Jair Bolsonaro (PL) de conceder o perdão de pena ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por atos antidemocráticos.
Mais de 80 organizações assinam a nota, entre elas: Associação Brasileira de ONGs (Abong), Fundação Tide Setubal, ABI – Associação Brasileira de Imprensa, Instituto de Direitos Humanos, Econômicos e Sociais – IDhES, Instituto Update, Instituto Vladimir Herzog e WWF-Brasil.
A nota diz que a medida é uma “clara afronta às instituições democráticas e à Constituição Federal” e “aprofunda a crise institucional entre os poderes da República continuamente promovida pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).”
“A tripartição dos poderes constitucionais é uma das bases da democracia moderna, sendo dever da sociedade zelar por sua manutenção e seu equilíbrio”, afirma o texto.
“Ao contrariar a decisão colegiada, contundente e soberana do Supremo e anistiar de modo célere e antecipado o deputado Daniel Silveira, conhecida e condenada figura por atacar o Estado Democrático de Direito, o chefe do Executivo intensifica as afrontas e o tensionamento junto às instituições, em especial o STF, em mais um passo no processo de erosão da nossa democracia”, completa a nota, que pede a responsabilização dos que atentam contra a democracia.
O texto chega ao fim ao dizer que “a democracia brasileira resistirá às aventuras autoritárias perpetradas por aqueles e aquelas que, apesar de escolhidos dentro das regras do jogo democrático, desejam seu fim.” (Fábio Zanini)
Presidente fala em garantia da liberdade de expressão
Brasília – O presidente Jair Bolsonaro afirmou na sexta-feira (22) que a concessão de perdão ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) na véspera teve o simbolismo da garantia do que ele e aliados consideram liberdade de expressão, tese rejeitada por 10 dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que condenaram o parlamentar por ataques ao Judiciário e a integrantes da corte.
O tribunal decidiu na quarta-feira (20) submeter o deputado bolsonarista a pena de 8 anos e 9 meses de reclusão, em regime inicial fechado, além de multa e perda do mandato parlamentar. Um dia depois do julgamento, no entanto, Bolsonaro anunciou decreto concedendo perdão ao parlamentar por meio de uma “graça constitucional”, medida com potencial para abrir nova crise com a cúpula do Judiciário.
“Ontem foi um dia importante para o nosso País”, disse o presidente nesta sexta-feira, em evento de homenagem aos 522 anos de chegada dos portugueses ao Brasil.
“Não pela pessoa que estava em jogo ou por quem foi protagonista deste episódio, mas o simbolismo de que nós temos mais que o direito, nós temos a garantia da nossa liberdade”, acrescentou Bolsonaro.
Anunciado pelo presidente por meio de redes sociais, antes mesmo do trânsito em julgado do processo contra Silveira, o decreto com a graça foi publicado em edição extra da quinta-feira do Diário Oficial da União.
O deputado foi condenado na quarta-feira pelo STF pelos crimes de coação no curso do processo e atentado ao Estado Democrático de Direito, ao proferir discursos de incentivo à violência com ataques à Justiça e a ministros da corte.
Daniel Silveira foi preso em flagrante por crime inafiançável no início de 2021 após determinação de Alexandre de Moraes, no âmbito de outro inquérito, o que trata da divulgação de fake news.
O deputado teria passado então, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República, a adotar a estratégia de agressões verbais e ameaças em redes sociais a ministros do STF. A denúncia cita vídeos postados pelo parlamentar em que constam “ameaças e impropérios dirigidos aos ministros do Supremo, mas também uma incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o tribunal”.
Para a PGR e para a maioria dos integrantes do STF, o parlamentar não pode utilizar a imunidade parlamentar ou do princípio a liberdade de expressão como escudos para proferir ataques a instituições democráticas.
Partidos de oposição entraram com ações no próprio Supremo contra o decreto de Bolsonaro. (Reuters)
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