PEC da transição é protocolada e propõe estourar o teto em R$ 198 bi

Brasília – A PEC da Transição foi protocolada no início da noite de ontem no Senado pelo relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), abrindo uma exceção à regra do teto de gastos de R$ 175 bilhões por quatro anos para custear o Bolsa Família.
Em linha semelhante ao anteprojeto apresentado pela equipe de transição de governo há duas semanas, o texto prevê ainda que 6,5% do excesso de arrecadação do governo possam ser aplicados em investimentos públicos sem contabilização na norma fiscal a partir do ano que vem. Em 2023, esse montante seria de R$ 23 bilhões.
“O texto-base que estou protocolando agora é o texto que foi apresentado pela equipe de transição. Que excepcionaliza do teto de gastos o programa Bolsa Família, que permite que as doações para as universidades e as doações socioambientais possam ser utilizadas e permite investimentos quando tiver excesso de arrecadação”, disse Castro na chegada à sede da transição de governo, onde parlamentares do MDB se reúnem com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
O senador afirmou que o Congresso Nacional terá liberdade para alterar o prazo de exceção à regra fiscal. Ele afirmou que embora protocolada, a proposta ainda depende da assinatura de mais 26 senadores para que possa iniciar a tramitação.
Castro destacou que senadores estão sendo informados sobre a “inviabilidade técnica” da proposta vigorar por apenas um ano. Segundo ele, se isso ocorrer, uma nova PEC teria de ser aprovada já no início do próximo ano para garantir o Bolsa Família em 2024.
Conforme a Reuters mostrou na semana passada, aliados do novo governo e integrantes da equipe de transição admitem que o prazo de vigência da PEC que excepcionaliza o teto de gastos para garantir o Bolsa Família no valor de R$ 600, entre outros pontos, possa ficar em dois anos.
O senador disse que a PEC será um dos temas da reunião desta segunda da bancada do MDB com o presidente Lula.
“Eu tenho pressa porque eu preciso fazer o relatório do Orçamento”, disse ele. “Não temos mais tempo”, frisou.
A PEC protocolada também prevê que não serão contabilizadas no teto de gastos despesas de instituições federais de ensino custeadas por receitas próprias, de doações ou de convênios.
Castro ressaltou ainda que uma das propostas em discussão paralelamente no Congresso, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), de abrir uma exceção no teto de R$ 85 bilhões é insuficiente e repetiu a necessidade de um piso de R$ 100 bilhões que pudesse contemplar o Orçamento do próximo ano, em linha com entrevista concedida à Reuters na semana passada.
Após duas semanas de discussões concretas sobre a PEC, o andamento da medida ainda não havia avançado, gerando embates inclusive no PT sobre problemas de articulação política. Com a chegada de Lula a Brasília nesta semana, aliados apostam que as negociações posam ser destravadas.
O presidente eleito também deve se reunir com os presidentes da Câmara e do Senado na tentativa de acelerar a tramitação da medida, já que sem a aprovação da PEC, o governo não teria condições de continuar pagando o Auxílio Brasil de R$ 600 a partir de janeiro, também não sendo possível recompor verbas de ministérios.
O tempo para análise da proposta pelo Congresso é curto porque após aprovação Castro ainda terá que ajustar o projeto de Orçamento do ano que vem a partir das definições da emenda constitucional. A intenção é que a peça orçamentária seja aprovada antes do início do recesso parlamentar, no fim de dezembro.
Boa vontade
Existe uma boa vontade de parte dos parlamentares para dar celeridade à tramitação da PEC no Senado. Pelas regras, a proposta passaria pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e depois iria ao plenário, onde precisa passar por dois turnos de votação, com o apoio de três quintos dos senadores. Um intervalo entre as duas votações pode ser ignorado se for aprovado requerimento de quebra de interstício.
Depois, a PEC terá que seguir para a Câmara. Deputados adiantaram que pretendem anexá-la a uma outra proposta que já esteja em um estágio mais avançado de tramitação. Caso contrário, ela precisaria ser analisada pela CCJ da Casa e ainda precisaria passar por uma comissão especial, antes de chegar ao plenário.
Também há prazos a serem respeitados na Câmara e alguns deles também podem ser suprimidos a depender da vontade dos parlamentares. A PEC também precisa do apoio de três quintos dos deputados em duas votações.
Banco Mundial prepara documento com sugestões para Lula
Brasília – O Banco Mundial prepara um documento a ser entregue ao PT contendo uma lista de medidas econômicas que considera fundamentais para o País seguir uma trajetória de crescimento sustentável nos próximos anos.
A instituição defende que a equipe econômica de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), independentemente dos nomes escolhidos, implemente reformas e outras medidas para criar um ambiente de disciplina nas contas públicas, aumentar a produtividade no País e transformar o Brasil em um líder em políticas verdes.
Johannes Zutt, novo diretor do Banco Mundial para o Brasil, afirma que as medidas são ainda mais necessárias diante do cenário de desaceleração global em 2023 e da necessidade do país de manter políticas sociais.
“Só é possível ter uma rede de proteção social para proteger os mais pobres se a economia estiver gerando o crescimento necessário para pagar por isso no médio e longo prazo”, afirma Zutt à Folha de S.Paulo em sua primeira entrevista no cargo.
Para ele, os quase R$ 200 bilhões sendo negociados com o Congresso para serem executados fora do teto de gastos por meio da PEC da Transição não são grande um problema -desde que haja comprometimento com uma regra fiscal crível a ser seguida nos anos seguintes.
O documento, em fase de conclusão, destacará a necessidade de ajustes nas contas públicas em diferentes frentes. Na lista de recomendações, a contenção de salários no setor público, a revisão de políticas assistenciais sobrepostas, um redesenho do sistema tributário e a obediência a uma âncora fiscal crível.
“Há oportunidades para tornar os gastos mais eficientes na administração pública, na reforma previdenciária de estados e municípios, nas muitas isenções fiscais e nos próprios programas de proteção social onde há fragmentação e duplicação”, afirma o executivo. “Para equilibrar receitas e despesas, não podemos simplesmente continuar adiando isso”, diz.
O receituário é acompanhado pela constatação do banco de que o Brasil encerrou 2021 com um nível de endividamento acima de pares. Economias emergentes de renda média têm dívida bruta que representa em torno de 72% do PIB, segundo a instituição, enquanto o Brasil registra 80% – percentual que pode crescer ainda mais com os gastos extras em negociação pelo governo eleito. Dentre os pares internacionais analisados pelo Banco Mundial, apenas a Índia está acima disso (84%).
O desafio se torna ainda maior no longo prazo, já que as mudanças demográficas em curso vão tornar a população cada vez mais velha – o que gera mais pressões no sistema previdenciário e nos serviços públicos.
“As reformas permitirão que o Brasil se posicione a médio e longo prazo de forma que esses gastos sociais possam continuar em níveis adequados. Sem isso, o país acabará com uma conta muito desequilibrada e com um ajuste desordenado a ser feito no futuro de forma dolorosa para todos”, afirma Zutt.
Produtividade
Além da racionalização dos gastos, o Banco Mundial propõe que o País se volte a medidas para aumentar a produtividade de forma a impulsionar a economia. O Brasil cresceu apenas 0,53% per capita anualmente entre 2010 e 2021, diz o banco, enquanto pares de renda média alta alcançaram 4%. Os membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 1,4%.
O desemprego e a informalidade permaneceram altos durante o período e a renda das famílias brasileiras caiu, aumentando a dependência das famílias brasileiras de transferências sociais. Para o banco, o foco das políticas continua sendo esses programas não só como uma forma de proteger os pobres, mas como uma muleta em meio a uma economia em crise.
Para reduzir a dependência das transferências, o banco recomenda modernizar a infraestrutura, reduzir o Custo Brasil e ampliar a abertura comercial, além de aumentar a inovação e a absorção de tecnologia.
“O Brasil não investe o suficiente para manter sua infraestrutura, que está se deteriorando. Portanto, você também precisa criar espaço para aumentar os gastos agora. E nem tudo precisa ser gasto público. Há muito espaço para gastos privados também”, afirma ele, que defende a simplificação do sistema de impostos.
Além disso, a instituição sugere iniciativas verdes, conter o desmatamento, avançar na transição para uma economia com emissões neutras de gases estufa e aumentar o papel da precificação do carbono. (Fábio Pupo/Folhapress)
Ouça a rádio de Minas