Política

Reunião de 30 anos do Mercosul escancara divergências no bloco

Reunião de 30 anos do Mercosul escancara divergências no bloco
Entre as discordâncias entre os países do bloco está a proposta de corte na Tarifa Externa Comum | Crédito: Divulgação - Mercosul

Brasília – O que seria uma reunião comemorativa dos 30 anos do Tratado de Assunção que criou o Mercosul, na sexta-feira (26), transformou-se em um encontro virtual que escancarou as divergências entre os países sobre flexibilizações no bloco e mudanças na Tarifa Externa Comum (TEC) e terminou em troca de farpas entre Argentina e Uruguai.

Em seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro deixou clara a posição brasileira sobre a necessidade de mudança na TEC, a tarifa aplicada pelos países à entrada de mercadorias extrabloco. A proposta foi apresentada pelo Brasil em 2019 e segue em negociação, mas com cada vez mais resistência por parte da Argentina.

“Defendemos a modernização do bloco com a atualização da TEC como parte central do processo de recuperação do nosso dinamismo econômico”, disse o presidente, acrescentando que o bloco deve acelerar ainda negociações com outros grupos de países para aumentar sua participação nas cadeias mundiais de comércio. “Queremos rapidez e resultados significativos.”

A necessidade de consenso entre os países-membros para que todas as decisões sejam tomadas é um dos empecilhos para que as negociações, em qualquer setor econômico, avancem, e a regra foi alvo de críticas do presidente.

“Entendemos que a regra do consenso não pode ser transformada em instrumento de veto ou de freio permanente. O princípio de flexibilidade está inscrito no próprio tratado de Assunção”, afirmou.

O governo brasileiro quer duas mudanças essenciais no Mercosul: o corte na TEC e a liberdade para negociar acordos comerciais com outros países se outros sócios do bloco não tiverem interesse.

A proposta brasileira é de um corte linear na TEC, de 20%, abrangendo todos os setores – uma proposta inferior à feita inicialmente, em 2019, em que a ideia era de reduzir a média da TEC de 13,6% para 6,4%. Enquanto Uruguai e Paraguai concordam com a proposta, a Argentina, sempre mais resistente à redução de tarifas, deu uma sinalização inicial positiva no início do ano.

Aparentemente, o presidente Alberto Fernández mudou de ideia.

“A Argentina tem sido muito pragmática. No entanto, não acreditamos que uma redução da TEC linear para todas as taxas seja o melhor instrumento. Preferimos continuar com a metodologia que estávamos trabalhando”, disse Fernández. “A proposta argentina vai preservar o equilíbrio entre os setores industrial e agroindustrial.”

A oposição direta à proposta brasileira, no entanto, não foi o momento de maior mal-estar no encontro. Irritado com as posições argentinas, que têm sido seguidas em parte pelo Paraguai, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou externou sua insatisfação com o bloco, e reclamou do “peso” que tem o Mercosul.

“Obviamente que o Mercosul pesa. Sua atividade, sua produção, pesa no cenário internacional. Mas o que não pode ser é uma carga. O que não estamos dispostos é que seja um espartilho que impeça nossos países de se mexer”, disse Lacalle Pou. “E por isso falamos com todos os presidentes sobre a flexibilização. Flexibilização, diferentes velocidades, vejamos o nome, o conceito, mas o Uruguai precisa avançar.”

O presidente uruguaio disse ainda que vai propor formalmente a flexibilização porque precisa de uma resposta rápida.

A flexibilização, que daria aos países o poder de negociar acordos de forma independente, é também defendida desde 2019 pelo Brasil, mas até hoje não avançou.

A fala de Lacalle Pou ofendeu especialmente Fernández, que tomou a crítica como dirigida diretamente a seu país.

“Se nos transformamos em uma carga, lamento. A verdade é que não queremos ser uma carga para ninguém. É mais fácil descer do barco se essa carga pesa muito”, disse o presidente argentino. “Terminamos com essas ideias que ajudam tão pouco a unidade em um momento que a unidade nos importa tanto. Não queremos ser peso de ninguém. Se somos, que tomem outro barco. Não somos lastro de ninguém.”

Saída antecipada – No momento mais tenso da reunião, Bolsonaro já não estava. O presidente deixou o encontro virtual logo depois de sua fala alegado problemas de agenda, o que valeu uma ironia do chanceler argentino Felipe Solá, que fez questão de estender a ele seus cumprimentos “apesar do presidente Bolsonaro já não estar mais aqui».

Desdenhado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, antes de assumir o posto, o Mercosul voltou a ser parte das atenções do governo com a assinatura do acordo com a União Europeia e pelo fato de o bloco ainda garantir uma fatia considerável do comércio brasileiro.

No entanto, o Brasil tenta alterar pontos desde o início e, se tinha o apoio de Maurício Macri, Fernández não tem simpatia pelas mudanças e nem pelo governo brasileiro –e agora, nem pelo uruguaio. Com a regra de consenso, o governo argentino pode travar quaisquer mudanças que não sejam do seu agrado.

A reunião comemorativa dos 30 anos mostrou, na verdade, um bloco que chega ao que deveria ser sua maioridade cheio de fissuras e desentendimentos. (Reuters)

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