Técnicos indicam veto a dispositivo de Haddad

Brasília – A área técnica do Tesouro Nacional recomendou veto a um dispositivo idealizado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para limitar o tamanho do contingenciamento de despesas no orçamento em caso de frustração de receitas.
Os técnicos avaliaram que permitir um bloqueio menor que o necessário para alcançar a meta fiscal “contraria o interesse público”, mas o argumento foi superado por um parecer do secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, que dispensou o veto com base em entendimento jurídico da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
O registro da recomendação integra o conjunto de pareceres que subsidiou a sanção da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 e foi obtido pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
A existência do documento ilustra a enorme controvérsia que cerca esse dispositivo, que também já foi alvo de críticas do Planejamento e da Casa Civil e até hoje suscita incertezas sobre como aplicá-lo sem gerar riscos de punição aos gestores.
O Ministério do Planejamento e Orçamento enviou uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) em busca de maior segurança, mas ainda não houve decisão. O pedido foi feito após a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) apontar, em nota técnica também obtida pela reportagem, “potencial conflito” entre o dispositivo da LDO e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), comprometendo a eficácia dos mecanismos de ajuste das despesas. Não houve recomendação de veto, mas a área jurídica orientou a pasta a buscar entendimento da corte de contas.
O instrumento foi concebido no ano passado, em meio à pressão da ala política para flexibilizar a meta de déficit zero e permitir um resultado negativo de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
Haddad conseguiu convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a manter o alvo mais ambicioso, mediante a promessa de que a perseguição desse objetivo não sufocaria os investimentos públicos.
Limitar o tamanho do contingenciamento de despesas em 2024 foi a saída para conciliar as duas coisas. O artigo inserido na LDO durante a tramitação no Congresso prevê que o bloqueio não pode comprometer o aumento real de ao menos 0,6% nas despesas – correção mínima do limite de gastos previsto no novo arcabouço fiscal.
Nas contas do Planejamento, isso significa um contingenciamento de no máximo R$ 25,9 bilhões por frustração de receitas, menos da metade dos R$ 53 bilhões estimados por técnicos do governo e pelo mercado sem a trava legal.
Impactos das medidas – Em despacho de 28 de dezembro de 2023, a Coordenadoria-Geral de Planejamento e Programação Financeira (Cofin) do Tesouro diz que, sob o aspecto fiscal, o dispositivo “traz prejuízo na atuação do Poder Executivo para a adoção de medidas necessárias, pelo lado da contenção de despesas, que visem o cumprimento da meta de primário, que por sua vez é essencial para a garantia de uma trajetória sustentável da dívida pública e da estabilidade financeira do País”.
Em outras palavras, os técnicos argumentam que fazer um contingenciamento menor diante de uma perda maior de receitas vai, na verdade, aprofundar o déficit público e afastá-lo ainda mais da meta zero estipulada para 2024.
Apesar do alerta, os técnicos fizeram a ressalva de que o pedido de veto “se sujeita à avaliação superior de conveniência e oportunidade face a outros aspectos associados à proposição legislativa”. O mesmo posicionamento foi mantido pela Subsecretaria de Administração Financeira Federal, à qual a Cofin é ligada. Menos de três horas depois do despacho, Ceron assinou um ofício dispensando a recomendação de veto.
Na justificativa, o secretário faz referência ao “Parecer SEI nº 4489/2023/MF”, de autoria da PGFN. O acesso ao documento foi negado pelo Ministério da Fazenda, sob alegação de sigilo profissional, e os trechos reproduzidos no ofício de Ceron foram tarjados para inviabilizar a visualização do conteúdo.
O que o documento permite depreender é que o parecer jurídico respondia a uma consulta do Tesouro Nacional sobre a possibilidade de usar a LDO para fixar o entendimento de que o contingenciamento ficaria limitado ao montante que não comprometesse o piso de expansão real do arcabouço. (Idiana Tomazelli)
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