Política

Tentativa de golpe de estado completa um ano

Em 8 de janeiro de 2023, manifestantes deixaram um rastro de destruição no Congresso, Palácio do Planalto e STF
Tentativa de golpe de estado completa um ano
Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Brasília – Há um ano, em janeiro de 2023, o Brasil e o mundo acompanharam o rastro de destruição deixado pelos ataques às sedes dos Três Poderes, em Brasília. No ano que passou, a recuperação e as consequências dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro fizeram parte da agenda do Legislativo e motivaram a apresentação de projetos, a criação de uma comissão permanente e também de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI).

Um ano após os ataques, para marcar sua posição em defesa do Estado democrático, representantes dos Três Poderes vão participar, na segunda-feira (8) de um ato em defesa da democracia. O ato, no Salão Negro do Senado, está marcado para as 15 horas. A intenção é relembrar o ocorrido para evitar novos episódios semelhantes e mostrar a resposta da democracia.

Naquele 8 de janeiro de 2023, manifestantes invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF) para defender um golpe de estado e protestar contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que havia tomado posse uma semana antes. Os danos resultantes a invasão incluíram vidros quebrados, obras de arte estragadas, móveis danificados e até incêndios.

No mesmo dia, senadores, que estavam no recesso parlamentar, se manifestaram para repudiar os atos de violência e de vandalismo, entendidos como ataques à democracia do Brasil. Líderes partidários pediram a volta dos trabalhos legislativos como uma gesto para a população no sentido de que instituições permaneciam funcionando e de que os Três Poderes estavam unidos para defender o regime democrático.

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“Foi um susto para o mundo inteiro. Foi pior do que o Capitólio [sede do Legislativo], nos Estados Unidos, pois o ataque aqui foi contra os Três Poderes” relembrou o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), em entrevista à Agência Senado.

Recuperação

Nos dias seguintes aos atos, servidores de diferentes setores do Senado começaram o trabalho de levantar os danos e recuperar o que foi danificado. Relatório da Secretaria de Infraestrutura da Casa aponta que o custo de recuperação das instalações foi de R$ 829.412,28. Esse valor inclui material e mão de obra em serviços como retirada de entulhos e reposição de vidros e de outras estruturas danificadas.

Entre os principais estragos deixados pelos manifestantes está o carpete azul, que é a marca do Senado e que teve que ser totalmente substituído.

Mas o custo de recuperação não foi apenas esse porque, além da infraestrutura, os vândalos danificaram também obras de arte e relíquias como tapetes e móveis de valor histórico, como o painel vermelho de Athos Bulcão, no Salão Nobre, cuja restauração será finalizada neste ano, e a tapeçaria de Burle Marx, que foi arrancada do Salão Negro. O valor referente às horas trabalhadas pelos profissionais de conservação e restauração e aos custos de insumos e equipamentos para a recuperação soma R$ 483.082,98.

A corrida contra o tempo no trabalho de recuperar a infraestrutura tinha como uma das razões a posse dos novos senadores, em 1º de fevereiro, e a abertura do Ano Legislativo, no dia 2.  Na cerimônia, que todos os anos marca a abertura dos trabalhos do Congresso, o tom foi defesa do Estado democrático por parte dos Poderes. O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, também reafirmou o compromisso do Legislativo com a democracia.

Além de todo o trabalho e dos gastos com a recuperação da infraestrutura e das obras de arte danificadas, o Senado se preocupou também com medidas de reforço da segurança para a proteção de servidores, visitantes e frequentadores. As ações incluem a obrigatoriedade de passagem pelos equipamentos de raio-X e detectores de metais, a identificação de todos os participantes do tour de visitação, inclusive aos finais de semana, e a convocação de novos policiais legislativos aprovados em concurso público.

Manifestantes foram condenados

No âmbito da Justiça, os primeiros julgamentos relativos aos atos de 8 de janeiro ocorreram em setembro. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ao primeiro condenado, Aécio Lúcio Costa Pereira, a pena de 17 anos de prisão pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça com substância inflamável contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Um balanço divulgado pelo STF no fim de dezembro aponta que, no dia 8, foram presas 243 pessoas dentro dos prédios públicos e na praça dos 3 Poderes. No dia seguinte, 1.927 pessoas foram pessoas conduzidas à Academia Nacional de Polícia. Dessas, 775 foram liberadas e 1.152 permaneceram presas.

Entre 17 e 20/1, ocorreram as audiências de custódia e 938 pessoas permaneceram presas.

Nos meses seguintes, vários dos presos receberam, em etapas, liberdade provisória, com a imposição de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica, por exemplo. No fim de dezembro, os números divulgados apontam que 66 pessoas permaneciam presas, oito delas já condenadas pelo STF, 33 haviam sido denunciadas como executoras dos crimes e 25 ainda são investigadas por financiar ou instigar os ataques.

Para senadores oposicionistas, as condenações são injustas. O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) diz considerar que houve excessos por parte do Supremo Tribunal Federal.

“É um fato lamentável. Pessoas com bíblia na mão, como é que vão tomar o poder, se não tinham um canivete no bolso nem sequer um cortador de unha? Que poder você vai tomar? Essas pessoas, que nunca passaram na frente de uma delegacia, não tinham sequer um processo, foram presas e condenadas a até 18 anos de sentença”, lamentou o senador.

Na visão do senador Eduardo Girão (Novo-CE), os atos contra as sedes dos Três Poderes foram cometidos por uma minoria, que está sendo usada para punir todos os que se manifestaram. Ele criticou as penas impostas aos primeiros condenados, disse que há uma “caçada aos conservadores” e apontou a existência de presos políticos no Brasil.

“É extremamente preocupante o que a gente está vendo, a caçada implacável a quem pensa diferente do sistema. Estão usando isso, estão usando infelizmente pessoas, uma minoria das pessoas que estavam aqui na Esplanada do 8 de Janeiro, uma minoria que quebrou vidraça, que adentrou. E estão ampliando isso pra todos”, afirmou.

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) afirmou que o movimento não teve características de golpe e que essa narrativa serve para desviar o foco de suspostas irregularidades nas eleições. Ele defendeu a aprovação de proposições que buscam anistiar os envolvidos nos atos (PL 5054/2023 e PEC 70/2023).

“O Supremo exagerou nas condenações, porque todo mundo tem que pagar, mas não de forma coletiva. Mas ainda acho que vão reverter isso. Nós estamos aguardando as condenações para fazer o projeto de anistia e anistiar todo mundo”.

Congresso instalou CPMI no ano passado

No âmbito do Congresso, uma comissão parlamentar mista de inquérito, instalada em maio, trabalhou durante cinco meses para investigar os fatos que culminaram na invasão das sedes do Legislativo, Executivo e Judiciário. Durante esse tempo, a CPMI do 8 de Janeiro fez 22 reuniões, 19 delas dedicadas a ouvir testemunhas. No período, foram apresentados 2.098 requerimentos. A comissão ouviu 21 depoentes, recebeu e analisou milhares de arquivos de texto, áudio e vídeo.

Crédito: Lula Marques / Agência Brasil

O relatório final, da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), foi aprovado em 18 de outubro. No texto, de 1.333 páginas, a senadora diz que os ataques antidemocráticos foram iniciados muito antes da data de concretização. Ela também explicou o funcionamento do “gabinete do ódio” e a instrumentalização das forças de segurança, e dedicou vários capítulos aos ataques contra o sistema eleitoral. Na visão da relatora, o 8 de Janeiro “ainda não acabou”.  

“Embora as instituições democráticas brasileiras tenham sobrevivido às tentativas de ruptura da ordem constitucional que se desenvolveram antes, ao longo e após o processo eleitoral de 2022, as ameaças ainda pairam no ar. As milícias digitais continuam ativas e operantes: fazem da retórica do ódio o seu meio, e das fake news o seu objeto. Continuam os linchamentos virtuais, a criminalização da política, a multiplicação de falsos especialistas, a circulação irrestrita de mentiras e teorias conspiratórias, a dissonância cognitiva”, alertou a senadora ao apresentar o texto.

O relatório incluiu 61 pedidos de indiciamento, entre eles, o do ex-presidente Jair Bolsonaro. Também foi pedido o indiciamento de integrantes militares do governo Bolsonaro próximos ao ex-presidente, como o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, general Walter Braga Netto; o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno; o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, e o ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid.

Em entrevista à Agência Senado, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) disse acreditar que a responsabilidade sobre os atos não é do ex-presidente, mas de pessoas pagas para cometê-los, que precisam ser punidas pelos seus atos.

“Aquilo foi um bando de marginais, de vândalos, todos eles bem pagos por financiadores, que aí caberia à CPMI condená-los e mostrar à justiça que eles foram os únicos responsáveis”, disse o senador.

Ao falar sobre o ato em defesa da democracia que será feito na segunda-feira (8), o senador Rogério Carvalho (PT-SE) disse que os atos antidemocráticos cometidos há um ano não foram isolados. O senador classificou os ataques como uma tentativa de golpe e disse que a democracia venceu.

“Foi um ato que representou um golpe, uma tentativa de golpe que se frustrou e que as pessoas, em sinal de desespero por não terem conseguido tomar o poder a qualquer custo, depredaram as instituições que eles imaginavam estar comandando, dominando com mão de ferro, mas venceu a democracia, venceu a unidade da sociedade em defesa da democracia” avaliou. (Agência Senado)

Lira considera ação um desvio de rota

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o 8 de janeiro foi um desvio da rota que o Brasil escolheu para enfrentar seus desafios. “O desvio foi rechaçado, e temos de trabalhar para que nunca mais se repita”, disse ele, em mensagem relativa ao primeiro aniversário dos ataques às sedes dos três Poderes por manifestantes radicais, que não aceitaram o resultado da eleição presidencial.

“Foi o que a Câmara dos Deputados tratou de fazer ao longo de 2023, com a discussão e aprovação de matérias da mais alta relevância para o futuro do Brasil, tais como o novo arcabouço fiscal, projetos para o desenvolvimento sustentável e uma histórica reforma tributária, procrastinada há mais de 40 anos”, acrescentou na mensagem, que integra uma exposição de fotos que será montada pelo Centro Cultural da Câmara no Salão Verde.

“Em tempos ainda polarizados na política brasileira e mundial, a exposição “8 de janeiro” pretende motivar a reflexão sobre a importância do Parlamento como espaço para o diálogo entre os divergentes e a formação de consensos, em ambiente transparente e onde sempre prevaleça a força da política sobre a política da força”, disse. (Agência Câmara)

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