Diamantina recebe festival de sempre-viva

Nas campinas da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, nascem belas flores sempre-vivas que, a cada ano, são colhidas por comunidades locais para comercialização e têm seu território cuidado para que, no próximo ano, novas flores cresçam. Esse ciclo que vem atravessando gerações já se tornou parte da história e da tradição das cidades de Diamantina, Presidente Kubitschek e Buenópolis.
Suas comunidades tradicionais apanhadoras de flores sempre-vivas são reconhecidas pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU), desde 2020, como Sistema Importante do Patrimônio Agrícola Mundial, título concedido pela primeira vez ao Brasil.
Relatando a vida, o trabalho, a luta dessas comunidades pela preservação do seu ofício e o processo de elaboração de protocolos de consulta comunitários, a Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex) e a Terra de Direitos lançam o documentário “Serra Nossa, Sempre Viva” no 2º Festival das Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas, evento que tem o intuito de valorizar a identidade e o modo de vida dessas comunidades.
O festival acontece hoje e amanhã, no Mercado Velho, no centro histórico de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, e o lançamento do documentário será realizado hoje, às 16h, com entrada gratuita. Após a estreia, o filme ficará disponível no canal da Terra de Direitos no YouTube.
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O documentário, que tem duração de 37 minutos, aborda três pontos muito importantes para as comunidades apanhadoras de sempre-vivas: a relação delas com o território onde vivem e a Serra do Espinhaço; a luta pela regularização fundiária das comunidades, que estão sendo proibidas de praticar sua atividade tradicional e sustentável por causa da criação de unidades de conservação (UCs) no local; e a construção dos Protocolos de Consulta Prévia, Livre e Informada, um direito previsto pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que visa garantir às comunidades tradicionais a consulta sobre qualquer modificação que afete suas vidas ou seu território.
“Nossas comunidades sempre viveram na invisibilidade. Produzir um documentário que conta um pouco da história e da luta de um povo é dar visibilidade a ele, e visibilidade é a garantia da continuação do seu modo de vida tradicional. No processo de criação dos protocolos de consulta, as comunidades entenderam a importância de ter várias ferramentas de luta, de ter acesso às políticas públicas, e a construção se deu de forma participativa, dentro do território delas. A coisa mais bonita de se ver foi o empoderamento das pessoas no uso dessa ferramenta, e a demanda mais urgente é o acesso ao território que é peça fundamental para essas comunidades”, comenta Tatinha Alves, apanhadora de flores sempre-vivas e coordenadora técnica da Codecex.
As comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas são formadas por remanescentes de quilombos, caboclos, lavradores de terra, descendentes de garimpeiros e uma diversidade de outros grupos. Elas têm como principal atividade a apanha ou “panha” das sempre-vivas, a qual faz parte da sua identidade de povo tradicional e representa uma fonte de renda essencial. Ao longo do tempo, essa e outras atividades de subsistência, como a agricultura familiar, a coleta de frutos e o manejo do gado, vêm sendo realizadas em relação harmônica com a natureza, permitindo a preservação da serra. O modo de vida dessas comunidades é extremamente dependente do ambiente em que vivem e sua forma de coleta das flores é um patrimônio que está ameaçado.
“A criação das unidades de conservação na Serra do Espinhaço desconsidera a presença histórica de pessoas que sobrevivem da utilização de recursos encontrados ali. Desde então, além da dificuldade de subsistência e de geração de renda, as comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas têm convivido com restrições, ameaças, constrangimentos e outros tipos de violência por parte de funcionários de institutos governamentais. O documentário ‘Serra Nossa, Sempre Viva’ denuncia essa situação e registra a importância cultural e ambiental dessas comunidades”, comenta Alessandra Jakobovski, assessora jurídica da Terra de Direitos.
Essas comunidades se intitulam guardiãs tanto das sementes das flores quanto de outras plantas agrícolas tradicionais. Estudos da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) mostram que as mais de 90 espécies de flores sempre-vivas já identificadas na região foram preservadas pelas comunidades. A contribuição está na técnica ancestral de fazer a coleta, na rotatividade do plantio das roças e no uso de sementes crioulas, cultivadas ao longo de gerações.
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