Novo Marco Regulatório do Transporte de Passageiros divide opiniões no setor

A nova proposta de regulação do setor de Transporte Rodoviário Coletivo Interestadual de Passageiros (Trip) apresentada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) vem causando um grande debate. A previsão é que a resolução seja publicada em novembro deste ano.
Alguns especialistas alertam que o texto contém exigências que podem prejudicar a entrada de novas empresas e beneficiar os oligopólios. Enquanto outros defendem que o projeto irá contribuir para a melhoria na regulação do setor.
Em 16 de agosto, a Comissão de Viação e Transporte (CVT) da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade um requerimento de audiência pública para discutir sobre a proposta do Novo Marco Regulatório. O debate está marcado para acontecer no dia 12 deste mês, no encerramento da fase de discussão com a sociedade.
Bruno Azambuja, diretor-executivo da Associação Brasileira pelo Futuro da Mobilidade (AFMOB), é um dos críticos dessa nova resolução. Para ele, a ANTT criou fortes barreiras à entrada de novos competidores. “A proposta anterior, de 2022, está muito mais alinhada com a decisão do Supremo Tribunal Federal que confirmou o regime de autorização para o Trip”, declara.
Ele diz que o texto faz com que o ingresso de novos operadores nos mercados principais, de maior demanda, só será possível uma única vez a cada ano e na quantidade de operadores e nos mercados que a agência permitir. “Isso não gera competitividade e não gera benefícios para o consumidor”, completa.
O diretor-executivo da AFMOB explica que os chamados mercados principais representam cerca de 100 milhões de pessoas ou metade da população brasileira.
Em sua visão, quem mais perde com isso é o consumidor que acaba ficando refém dos oligopólios tradicionais do setor de transporte, “pagando os mesmos preços abusivos de sempre”.
Já o presidente da Associação Brasileira dos Fretadores Colaborativos (Abrafrec), Marcelo Nunes, lembra que antes havia uma grande expectativa quanto à abertura de mercado do transporte rodoviário de passageiros. Porém, o novo marco regulatório do setor está sendo o contrário do que era esperado.
Para ele, a proposta irá desestimular o ingresso de novas empresas no mercado, principalmente, aquelas de fretamento e plataformas digitais que querem atuar com novos modelos de negócio em um setor que movimenta mais de R$ 30 bilhões por ano.
“Estamos há quase dez anos esperando por isso. Infelizmente, o que estamos vendo é que o novo marco foi criado pela ANTT para manter tudo como está. O documento vai legalizar os monopólios que existem hoje”, relata.
Ele também considera como absurda a lógica proposta no texto de classificação de mercados que divide as linhas entre principais e subsidiárias, com restrições nos mercados de maior demanda e movimento. “Linhas como Belo Horizonte – Brasília ou Brasília – Londrina, por exemplo, não poderão mais aceitar novos entrantes, sob o argumento de que são mercados equilibrados”, explica.
Para Nunes esse cenário tende a beneficiar as empresas mais tradicionais, além de gerar uma subida de preços e a má qualidade do serviço, prejudicando milhões de pessoas. Ele ainda afirma que a economia do País também acaba sendo prejudicada, pois esse ambiente torna o mercado nacional menos atrativo para novos investimentos.
“Não podemos mais conviver com um setor de transporte rodoviário engessado. Até o setor aéreo é livre. Sem concorrência, os preços das passagens de ônibus nunca vão cair”, ressalta.
Para defender essa ideia, o presidente da Abrafrec cita um levantamento realizado no início do ano pelo buscador CheckMyBus. Essa pesquisa aponta que entre as seis rotas de maior demanda para os usuários do site, a queda no preço médio das passagens foi maior entre aquelas que registraram aumento de oferta, como é o caso de São Paulo – Belo Horizonte.
Já a Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiro (Anatrip) defendeu que o marco regulatório traz avanços significativos em relação à regulamentação vigente. Em nota, a entidade destacou que a criação da fase de habilitação está entre as principais mudanças da nova proposta. Essa fase terá como objetivo avaliar a capacidade dos transportadores em operar os serviços.
A entidade ainda citou a regulamentação de condições específicas para autorizações como outra mudança importante. Essas condições flexíveis incluem a utilização de micro-ônibus, menor frequência mínima e menor período mínimo de atendimento. Além da eliminação de barreiras à entrada de novos operadores de outros sistemas visando estimular a competição no setor.
“O novo marco também estabelece um sistema de avaliação de desempenho das transportadoras, com indicadores de regularidade, pontualidade e segurança. Essa avaliação permitirá um controle mais efetivo sobre a qualidade dos serviços prestados, bem como sobre a jornada de trabalho dos motoristas, visando à prevenção de acidentes rodoviários”, ressalta.
Aprimoração da regulação do transporte rodoviário
A Anatrip conclui que essas mudanças têm como finalidade aprimorar a regulação do setor de transporte rodoviário coletivo interestadual. “O novo marco regulatório representa uma consolidação normativa do setor e busca tornar o Brasil uma referência internacional em regulação desse tipo de transporte”, garante.
Já Azambuja adverte que a ideia da análise de viabilidade econômica como critério para autorização de linhas pode tornar o setor inviável para novas empresas. “A nova regra não leva em consideração a quantidade de empresas competindo em cada rota, mas cria um cálculo técnico que considera os custos e a receita ideal para determinado mercado”, conclui.
Para o diretor-executivo da AFMOB isso fará com que grandes empresas, com 10 mil ônibus, fiquem sem concorrência. Enquanto as pequenas e médias seguirão lutando para disputar o mercado, “mas vão acabar morrendo na praia”.
Mesmo assim, Azambuja demonstra confiança na qualidade técnica dos servidores da ANTT e em seu trabalho. “Acreditamos que a partir das contribuições apresentadas na audiência pública a agência deve rever a proposta e apresentar uma minuta mais adequada para o setor. Mais próxima da proposta já apresentada anteriormente, que permita a competição saudável, que efetivamente democratize o acesso ao transporte de ônibus”, declara.
Já o presidente da Abrafrec destacou a atuação da associação nesse debate em busca de uma proposta que favoreça a livre iniciativa. Nunes reforça que a resolução vem sendo duramente criticada por empresas e entidades, como a própria Abrafrec, por manter regras que dificultam a entrada de novas viações, principalmente nas rotas de maior movimento e demanda.
Impacto do Novo Marco do Trip em Minas Gerais

Para o presidente da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de Minas Gerais (Fetram), Rubens Lessa Carvalho, é preciso dimensionar o impacto do Novo Marco Regulatório do Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros no Estado, principalmente nas ligações de viagens interestaduais dentro do território mineiro. “Será importante manter o equilíbrio para não comprometer as operações das empresas que atendem as ligações intermunicipais”, ressalta.
Lessa Carvalho reconhece a importância dessa mudança para o setor e afirma que a Fetram não é contra a entrada de novas empresas, desde que elas cumpram os critérios e as normas trabalhistas exigidas pelo poder público, como a segurança e a saúde do trabalhador e dos passageiros.
Em sua opinião, ainda é muito cedo para apontar pontos positivos e negativos da proposta, uma vez que ela está em construção. Segundo ele, a entidade entende que o principal ponto do projeto é assegurar que a população não fique sem a garantia e a segurança da regularidade e pontualidade do atendimento do transporte público de passageiros.
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