Justiça britânica acata processo da tragédia de Mariana

O julgamento da ação dos atingidos contra os acionistas da BHP Billiton – uma das controladoras da Samarco – pelo rompimento da Barragem de Fundão, ocorrido em 2015, em Mariana, na região Central do Estado, na Inglaterra, poderá trazer maior celeridade e isonomia ao processo. A avaliação é de sócios do escritório de advocacia PGMBM, que representa mais de 200 mil vítimas da tragédia, entre municípios, autarquias, empresas e instituições religiosas – autores da ação coletiva.
Na sexta-feira (8), a Justiça do Reino Unido acatou o caso em segunda instância. Agora, a ação deve seguir para a fase de mérito, em que será determinada a responsabilidade das empresas sobre os danos causados pelo colapso da barragem. A tragédia em Mariana deixou 19 mortos, poluiu a bacia do rio Doce e inundou o distrito de Bento Rodrigues. Em caso de condenação, o valor colocado na solicitação inicial, em 2018, era de 5 bilhões de libras. Conforme os advogados, ainda é difícil projetar a atualização dos valores das indenizações, mas a peça da Corte Inglesa fala que o caso pode chegar a 25 bilhões de libras.
Trata-se de uma decisão histórica com dupla jurisdição entre Brasil e Inglaterra. O juiz da primeira instância havia considerado que seria um abuso de jurisdição julgar a BHP ao mesmo tempo que ocorrem processos no Brasil. Mesmo com o argumento por parte dos representantes dos atingidos de que não há justiça suficiente sendo feita no Brasil, em uma primeira decisão, a Corte de Apelação manteve a decisão. Os advogados insistiram e agora obtiveram decisão favorável.
Para os sócios da PGMBM, ao aceitar a jurisdição, a Justiça inglesa deu esperança aos afetados pelo desastre, que há quase sete anos buscam por justiça e reparação. À BHP cabe recurso, porém, a empresa precisará antes obter uma permissão da Suprema Corte, o que torna o processo mais complexo.
Decisão por Mariana pode sair em 90 dias ou em até três anos
De acordo com o sócio-administrativo do PGMBM, Tom Goodhead, em caso de acordo, uma decisão pode sair nos próximos 90 dias. Já na hipótese de recurso por parte da BHP, um próximo passo decisivo ficaria para o início do ano que vem – quando o escritório apresentaria a defesa. Neste caso, a decisão poderá vir a se estender por mais dois ou três anos.
“A BHP tem a opção de encurtar o sofrimento das vítimas e ir ao encontro do interesse dos acionistas, executivos e das vítimas e chegar a uma conclusão mais célere. Espero que faça a coisa certa, não recorra da decisão e considere os danos que já causou ao Brasil. Mas isso está nas mãos da empresa, que já deixa as vítimas sem resolução e em sofrimento há sete anos”, disse.
O caso envolve mais de 200 mil atingidos, incluindo 25 municípios, 5 autarquias, 531 empresas de diferentes portes e 15 instituições religiosas da região de Mariana.
Goodhead citou o trecho do filme “A Good Man”, que diz: “Se você quer a verdade, você precisa aguentar a verdade”, alegando que se a empresa recorrer, vai ter que suportar um processo com todas as consequências que um julgamento na Corte Inglesa trará e que sua equipe não medirá esforços para usar de todos os mecanismos possíveis da justiça daquele país. “A opção é exclusivamente deles. Podem optar pela negociação ou vão ter que aguentar explicar e comprovar os fatos alegados”, completou.
Diante do contexto, ele preferiu não estipular uma data exata para que a indenização de fato ocorra. De maneira complementar, outra sócia do PGMBM, Ana Carolina Salomão, enfatizou que a decisão de acatar o processo já é excepcional, principalmente com a possibilidade de que cada caso seja considerado.
“Todas as vozes serão ouvidas. As dos que clamam por interesse econômico, social, ambiental ou religioso. Buscamos uma reparação individualizada, justa e integral para os danos sofridos naquele momento e que continuaram acontecendo desde 2015. E também pela atualização dos valores. Queremos chegar a uma reparação célere, integral e justa para cada um deles”, argumentou.
BHP e Samarco
Por nota, a BHP admitiu que a decisão reverteu o julgamento anterior da Justiça inglesa extinguindo o processo por abuso processual, mas ponderou que o julgamento se refere a questões preliminares referentes ao caso. E que não se trata de uma decisão relacionada ao mérito dos pedidos formulados na ação. A partir daí, a empresa revisará a decisão e considerará seus próximos passos, o que inclui a possibilidade de requerer permissão para recorrer à Suprema Corte do Reino Unido.
A empresa também disse que continuará a se defender da ação no Reino Unido, a qual acredita ser desnecessária por duplicar questões que já são cobertas pelos trabalhos da Fundação Renova em andamento sob a supervisão do Judiciário brasileiro e por processos judiciais em curso no Brasil.
“A BHP Brasil reitera que sempre esteve e segue absolutamente comprometida com as ações de reparação e compensação relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão da Samarco. Até agora, R$ 21,8 bilhões foram desembolsados nos programas de remediação e compensação executados pela Fundação Renova. Até o final deste ano, cerca de R$ 30 bilhões terão sido despendidos em programas de reparação e compensação para os atingidos. Atualmente, mais de R$ 9,8 bilhões foram pagos em indenizações e auxílios financeiros emergenciais para cerca de 376 mil pessoas. Pelo Sistema Indenizatório Simplificado, R$ 6,1 bilhões foram pagos para quase 59 mil pessoas com dificuldade em comprovar seus danos”, detalhou.
Já a Samarco, procurada, afirmou que reafirma seu compromisso com a reparação de danos e com o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado, em março de 2016, pela empresa e seus acionistas, Vale e BHP, governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo e outras entidades. “Até o momento, com o apoio das acionistas, já foram indenizadas mais de 376,7 mil pessoas, tendo sido destinados mais de R$ 21,8 bilhões para as ações executadas pela Fundação Renova”, disse.
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