Legislação

Ações contra saúde suplementar aumentam em Minas e no País

Entre as principais causas estão negativas de cobertura para tratamentos médico-hospitalares, fornecimento de medicamentos e reajustes contratuais considerados abusivos
Ações contra saúde suplementar aumentam em Minas e no País
Foto: Reprodução Pexels

O número de ações judiciais contra operadoras de planos de saúde no Brasil alcançou um patamar inédito em 2024, com 304.657 mil novos processos registrados e, agora, em 2025, até o dia 30 de abril, já são mais de 100 mil novos processos. Em Minas Gerais, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas no ano passado, foram 13.326 mil processos contra operadoras de saúde suplementar e, neste ano, o volume já ultrapassa a casa dos quatro mil processos.

As principais causas incluem negativas de cobertura para tratamentos médico-hospitalares, fornecimento de medicamentos e reajustes contratuais considerados abusivos. Segundo dados da pesquisa `Raio-X da Saúde Suplementar no Brasil`, conduzida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), um em cada 16 usuários de planos de saúde no Brasil já acionou a Justiça contra a sua operadora.

Ano após ano, com os consumidores recorrendo cada vez mais ao Judiciário, a judicialização da saúde suplementar foi tema central do estudo, que ouviu dois mil brasileiros em todas as regiões do País, entre os dias 16 e 22 de maio deste ano. O levantamento incluiu tanto usuários quanto não usuários de planos de saúde e foi realizado em parceria com o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe).

Veja qual foi o crescimento das ações desde 2020 em Minas e no Brasil:

O conteúdo continua após o "Você pode gostar".


Minas Gerais

  • 2020 – 9.485 mil
  • 2021 – 8.469 mil
  • 2022 – 9.355 mil
  • 2023 – 12.779 mil
  • 2024 – 13.326 mil
  • 2025 – 4.037 mil (até 30 de abril)

Brasil

  • 2020 – 141.740 mil
  • 2021 – 149.089 mil
  • 2022 – 171.929 mil
  • 2023 – 233.477 mil
  • 2024 – 304.657 mil
  • 2025 – 101.037 (até 30 de abril)

Número de ações contra a saúde suplementar impressiona

Para o especialista em Direito de Saúde e Direito Público, membro da Comissão de Direito Médico da OAB-MG e diretor do escritório Ferreira Cruz Advogados, Thayan Fernando Ferreira, o número de ações é impressionante e revela uma desconfiança estrutural dos usuários em relação às operadoras. “A negativa de procedimentos que deveriam estar cobertos é o estopim para a maioria das demandas judiciais”, esclarece.

Saiba quais são os principais motivos que levam os usuários a ajuizarem ações contra as operadoras de saúde suplementar:

Negativas de cobertura assistencial:

  • cirurgias (51%)
  • medicamentos (12%)

Suspensão de contratos:

  • muitas vezes por alteração de cláusulas (59%)
  • cancelamento sem aviso prévio (19%)
  • inadimplência (12%)

Os aumentos nas mensalidades, por sua vez, são responsáveis por 14% dos processos.

Judicialização indica falha do sistema em proteger o usuário

O levantamento sobre a saúde suplementar indica que 78% dos entrevistados não conhecem o termo “judicialização da saúde”. Contudo, após uma explicação breve sobre o conceito, 63% dos participantes passaram a considerar essa prática como uma ferramenta legítima e eficaz para garantir os direitos dos consumidores.

Segundo o advogado, o cenário é preocupante não apenas pela quantidade de ações contra a saúde suplementar, mas pelos reflexos na confiança do consumidor: “A judicialização se torna, muitas vezes, o único caminho viável para que o paciente receba o tratamento necessário. Isso indica que o sistema está falhando em sua função básica de proteger o usuário”, salienta.

O advogado também avalia que a suspensão de contratos de forma unilateral por parte das operadoras, especialmente em momentos críticos, é uma das práticas mais agressivas contra o consumidor. “Há casos de cancelamento de plano durante tratamentos oncológicos, o que é uma violação flagrante da boa-fé contratual e da dignidade do paciente”, lamenta. 

Ferreira também reforça que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) precisa atuar de forma mais eficaz na fiscalização das operadoras e na atualização do rol de procedimentos obrigatórios, garantindo que os consumidores tenham acesso aos tratamentos necessários sem precisar recorrer à Justiça.

“A judicialização não pode ser tratada como um problema do Judiciário. Ela é, na verdade, um sintoma da crise de confiança na saúde suplementar. E a solução passa pela revisão das práticas das operadoras e pela fiscalização efetiva das agências reguladoras”, reforça.

Judiciário tem negado demandas de tratamentos não regulamentados

Na visão da advogada e conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Maria Fernanda Pires, a judicialização da saúde suplementar está aumentando em Minas Gerais e os objetos são variados. “Muitos dos processos são solicitando tratamento ou procedimentos que não estão previstos em um contrato que é lacônico, que não é específico. Existem demandas que são negadas pelas operadoras para medicamento também. A medicina vem apresentando tratamentos inovadores, às vezes experimentais, e por isso são muito caros e acabam, por óbvio, sendo negados”, destaca.

Segundo a advogada, em muitos dos casos os tratamentos ainda não estão devidamente regulamentados. “Por conta disso, muitos dos pedidos na justiça têm tido uma negativa grande. E, ao mesmo tempo, hoje, o Poder Judiciário também não tem dado essas liminares com a mesma facilidade que já deu no passado. A pauta do Judiciário começou a ficar extremamente prejudicada pelo número de ações. Diante disso, o próprio Judiciário começou a criar requisitos que precisariam ser cumpridos por aquele autor para que ele fizesse jus àquilo. E ainda existem as próprias determinações do Ministério da Saúde e o rol de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde”, explica.

Além do número crescente de ações contra a saúde suplementar, muitos vão se acumulando, o que acaba, também, se tornando um problema. “E essa progressão é geométrica. Existem várias ideias para pensar melhor neste sentido, ainda que seja uma força-tarefa para julgar esses processos, visando operacionalizar esse acordo para que ele seja mais transparente para a sociedade como um todo. Precisamos ter uma participação mais efetiva também”, avalia.

Entre os direitos dos usuários e a viabilidade econômica das operadoras

Na percepção de Maria Fernanda Pires, o gargalo deste problema em Minas não é diferente do resto do País. “Os usuários não escolhem, sobretudo nos chamados planos de anuência, que são planos coletivos, e nem sempre existe uma clareza do que está incluído ou não. E o consumidor não costuma ler as cláusulas para saber o que ele tem direito. Ele vai para o Judiciário, dentro do aspecto emocional, pedir algo que foi negado e não está incluído na sua apólice. Temos essa dificuldade de interagir entre o usuário e os direitos que ele tem estabelecidos com aquela operadora, com aquela cooperativa, com aquele plano de saúde”, aponta.

Para a conselheira, a meta é não comprometer a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar, mas, ainda assim, buscar um equilíbrio para todos os lados. “São duas partes interessadas. O cidadão está pagando cada vez mais caro o seu plano de saúde e ele quer ter o direito de acesso. Os planos de saúde falam que essas exceções interferem no orçamento. Se existe a demanda por algum tratamento de milhões, você está impedindo que muitas outras pessoas possam ter acesso a tratamento básico. Portanto, é necessário equilibrar as expectativas dos usuários que querem melhores serviços e coberturas mais amplas, com preços melhores. Mas, também para os operadores de plano de saúde, que precisam de viabilidade econômica”, salienta.

Procurada pela reportagem do Diário do Comércio, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) não conseguiu disponibilizar um porta-voz para comentar o assunto.

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas