Portaria prevê deportação sumária de “pessoa perigosa”

São Paulo – O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, editou portaria na sexta-feira que prevê a deportação sumária de “pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”, numa medida que parlamentares da oposição disseram que visa retaliar o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil.
O jornalista norte-americano, que mora no Brasil, é fundador do site que revelou supostas mensagens trocadas entre Moro, quando era o juiz responsável pelos processos da Lava Jato em Curitiba, e procuradores que atuam na operação. As alegadas conversas indicariam colaboração de Moro com os membros do Ministério Público Federal (MPF) responsáveis por apresentarem acusações nos processos da Lava Jato.
Moro e o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, negam quaisquer irregularidades e afirmam não reconhecer a autenticidade das supostas mensagens, que afirmam ter sido obtidas de forma criminosa por hackers.
“Esta portaria regula o impedimento de ingresso, a repatriação, a deportação sumária, a redução ou cancelamento do prazo de estada de pessoa perigosa para a segurança do Brasil ou de pessoa que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”, afirma o primeiro artigo da portaria, de número 666, publicada no “Diário Oficial da União (DOU)”.
O texto considera pessoas perigosas ou que tenham praticado atos contrários à Constituição os suspeitos de envolvimento em terrorismo, em grupo criminoso organizado que tenha armas à disposição, em tráfico de drogas, armas ou pessoas, em pornografia ou exploração sexual infantojuvenil e em torcida com histórico de violência em estádios.
Nesta semana, a Polícia Federal prendeu quatro suspeitos de hackearem o celular de Moro, de um desembargador, de um juiz federal e de dois delegados da PF. De acordo com o Ministério da Justiça, o presidente Jair Bolsonaro também foi alvo dos alegados hackers.
A PF disse ter indícios de que os suspeitos atacaram os telefones de 1 mil pessoas. Entre os alvos dos supostos hackers estariam autoridades como os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, além do ministro da Economia, Paulo Guedes, e da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
De acordo com informações veiculadas na imprensa, um dos suspeitos presos disse que entregou a Greenwald mensagens obtidas com o hackeamento de forma anônima e sem pedir pagamento em troca. O jornalista afirma ter obtido as mensagens de uma fonte anônima.
Reação – Partidos e parlamentares de oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro criticaram a portaria de Moro. “A publicação da portaria 666 é uma ameaça e uma afronta de um ministro da Justiça que usará seus poderes políticos para calar as vozes da oposição”, disse o PT em sua conta no Twitter.
O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), usou a mesma rede social para classificar a portaria assinada por Moro de “estranhíssima”. “Estranhíssima portaria (nº 666!) do ministro Moro prevendo a deportação de estrangeiros ‘perigosos’. Perigosos para quem? Para a reputação dele? Não aceitaremos o cerceamento de garantias individuais. Não vamos tolerar supressão da liberdade de imprensa. Não rasgarão a Constituição!”, escreveu o parlamentar.
O próprio Greenwald, que é casado com o deputado David Miranda (PSOL-RJ), também usou o Twitter para reagir à portaria, que classificou como “terrorismo”. “Hoje Sergio Moro decidiu publicar aleatoriamente uma lei sobre como os estrangeiros podem ser sumariamente deportados ou expulsos do Brasil ‘que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal.’ Isso é terrorismo”, criticou.
A portaria também gerou críticas de entidades de defesa dos direitos humanos, como a Conectas, que disse que a portaria é contrária à nova Lei de Migração.
“Diante de uma acusação, qualquer pessoa, seja brasileiro ou migrante, tem o direito de apresentar sua defesa perante um juiz. Na prática, o que esta portaria faz é restringir este direito, estabelecendo um prazo curto para que o migrante constitua e apresente sua defesa”, afirmou a coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos, Camila Asano.
Nota – Já o Ministério da Justiça e Segurança Pública, disse em nota que a portaria visa regulamentar a Lei de Migração para “proteger o Brasil ao evitar a entrada de pessoas suspeitas de crime de terrorismo ou de tráfico de drogas”.
“Essa ação estava prevista, é rotina dentro do ministério. Precisamos de instrumentos que deem agilidade para o Estado de retirar pessoas perigosas que nem deveriam ter entrado no Brasil”, disse, André Furquim, diretor do Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça, de acordo com nota do ministério. (Reuters)
Recurso em até 24 horas terá efeito suspensivo
Brasília – Assinada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, a Portaria nº 666 institui que fatos que justifiquem, não só a deportação, mas também o impedimento de ingresso no País, a repatriação do estrangeiro para seu país de origem ou mesmo a redução ou cancelamento do prazo de estadia no Brasil poderão ser averiguados em informações oficiais obtidas por meio de acordos de cooperação internacional.
As autoridades brasileiras também poderão recorrer a informações de órgãos de inteligência nacional ou estrangeiro, investigação criminal em curso ou sentença penal condenatória, além de listas de restrição decorrentes de decisão judicial.
Conforme a portaria, ninguém será impedido de ingressar no País, repatriado ou deportado sumariamente, por motivo de raça, religião, nacionalidade, por integrar determinado grupo social ou manifestar opinião política. Garantias válidas também para pessoas perseguidas em seu país por acusação de terem praticado crime puramente político ou de opinião.
A pessoa obrigada a deixar o País será pessoalmente notificada para que se defenda ou se retire voluntariamente do território brasileiro em até 48 horas. O recurso apresentado em até 24 horas da notificação terá efeito suspensivo sobre a decisão de deportação. Já a não manifestação do deportando ou de seu representante legal dentro dos prazos não impedirão o cumprimento da medida.
De acordo com o texto, a decisão em grau recursal não será passível de novo recurso administrativo.
A divulgação dos motivos para o Estado brasileiro aplicar qualquer uma das sanções previstas na portaria estará sujeita às limitações da chamada Lei de Acesso à Informação nº 12.527, bem como à necessidade de preservar investigações criminais nacionais ou estrangeiras e informações sigilosas.
A Polícia Federal (PF) poderá pedir à Justiça Federal que autorize a prisão ou outra medida cautelar durante qualquer fase do processo de deportação, devendo observar o que estabelece o Código Penal e comunicar à embaixada ou consulado representante do país de origem do deportando.
Regulamentação – Publicado em novembro de 2017, para regulamentar a chamada Lei de Migração n° 13.445 do mesmo ano, o Decreto n° 9.199 trata da repatriação, deportação e expulsão de estrangeiros como medidas de retirada compulsória do País.
O artigo 182 estabelece que o procedimento de deportação dependerá de autorização prévia do Poder Judiciário no caso de migrante que esteja cumprindo pena ou respondendo a processo criminal em liberdade.
Além disso, deverá ser observado os princípios do contraditório, da ampla defesa e da garantia de recursos. O decreto estabelece o prazo de dez dias para que o deportando ou seu defensor recorram da decisão e impede a deportação se a medida “configurar extradição não admitida pela lei”.
Já o artigo 192 determina que a expulsão só se aplicará a imigrantes ou visitantes com sentença condenatória em julgado pela prática dos crimes de genocídio, de guerra, de agressão, contra a humanidade ou crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização no território nacional.
Mesmo nestes casos, contudo, o decreto proíbe a expulsão de pessoas que tenham filho brasileiro sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva; cônjuge ou companheiro residente no Brasil; que tenham ingressado no país antes de completar 12 anos de idade e aqui residam desde então ou que tenham mais de 70 anos e vivam no país há mais de dez anos. (ABr)
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