Tributação dos dividendos: arrecadar agora, litigar depois?
Razoabilidade. Segurança jurídica. Bom senso. Todos esses conceitos deveriam ser óbvios, mas não foi o que aconteceu recentemente com a confusão que o legislador aprontou na ânsia por cobrar mais impostos do empresário.
A recente Lei 15.270/2025, resultante do polêmico PL 1087/2025, mexeu com o ambiente empresarial em todo País. O que passa a ser tributado é a renda recebida pelo sócio pessoa física, ou seja, o empresário, que agora deverá recolher IR sobre valores que, por quase três décadas, eram distribuídos sem qualquer tributação. O impacto, portanto, não está no balanço da sociedade, mas no bolso no empresário.
Porém, a nova lei criou uma exigência temporal que não dialoga com os prazos tradicionais do direito societário e, nas palavras do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) seria “tecnicamente inexequível”. Para que os lucros de 2025 permanecessem isentos de tributação, a deliberação societária precisaria ocorrer até 31 de dezembro. A legislação societária, contudo, prevê que a aprovação de contas do exercício se dê na assembleia ordinária, normalmente realizada até abril do ano seguinte.
Ou seja, o empresário se viu diante de uma janela fiscal que se choca com o calendário societário e esse descompasso produziu questionamentos de diversas entidades e uma insegurança jurídica real.
O chamado “PL das Bets” tentou corrigir esse desencontro prorrogando o prazo até abril de 2026, mas o PL ainda encontra-se em tramitação e não haveria tempo hábil para sua aprovação e consequente alteração do prazo.
Diante do caos que se instalou no País foram propostas, dentre outras, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade ADIs 7.912 e 7.914 junto ao STF sob o fundamento de violação a diversos princípios do direito como da não surpresa, da legalidade e da razoabilidade que “consubstanciam-se verdadeiros postulados de limitação ao poder de tributar do Estado e, consequentemente, de proteção aos contribuintes”.
Felizmente, no apagar das luzes de dezembro, foi deferida parcialmente a medida cautelar para prorrogar para até 31/01/2026 o prazo para deliberação da distribuição de dividendos. Ganhou-se um pequeno fôlego. Mas trata-se de medida cautelar e portanto pode ser revogada a qualquer momento.
A pergunta que fica é: não seria mais fácil, mais seguro, mais razoável coadunar o prazo da nova lei com o prazo societário já existente? Considerando que as empresas tem um papel social relevantíssimo, inclusive na geração de empregos no País, haveria mesmo necessidade de uma disputa dessa natureza?
Valendo-me dos argumentos utilizados pelo ministro Nunes Marques temos que “os impactos decorrentes de uma apuração inadequada dos lucros e dividendos pelas empresas, com o intuito de adequar-se à brevidade do prazo previsto na Lei nº 15.270/2025, além de resultar em evidente insegurança na relação tributária entre o Fisco e os contribuintes, também poderá ocasionar impactos, por ora inestimáveis, na economia, inflação, emprego, custos e riscos de compliance, desafios na gestão fiscal, litigiosidade”.
No Brasil, onde predominam sociedades familiares e estruturas patrimoniais organizadas para garantir previsibilidade, fluxo de caixa e estabilidade econômica aos sócios, a distribuição recorrente de dividendos não é um privilégio, mas parte essencial da engrenagem empresarial. Alterar essa lógica sem a devida harmonização com o direito societário significa transferir ao contribuinte o custo de uma escolha legislativa apressada.
O debate não deveria se limitar à arrecadação imediata, mas à coerência do sistema jurídico como um todo. Segurança jurídica não é obstáculo ao crescimento econômico e sim condição para que ele exista. Enquanto a legislação tributária insistir em caminhar dissociada da realidade societária, o resultado será o aumento do risco, da litigiosidade e da desconfiança institucional. E isso, no longo prazo, custa muito mais do que qualquer tributo arrecadado às pressas.
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