Editorial

Imunidade parlamentar é corrompida e se transforma em silenciosa garantia de impunidade

Políticos chegaram a articular pacote de medidas destinadas a blindar seus mandatos
Imunidade parlamentar é corrompida e se transforma em silenciosa garantia de impunidade
Foto: Andressa Anholete/Agência Senado

A quinta-feira da semana passada amanheceu com a quase certeza de que os senhores deputados federais aprovariam à noite o pacote de medidas destinadas a blindar seus mandatos, levando de carona os senadores. Tratava-se, pura e simplesmente, de colocá-los fora do alcance da Justiça, consagrando a impunidade e, ao mesmo tempo, criando algo como uma nova categoria de cidadãos acima do bem e do mal. Não aconteceu por enquanto. Os patronos da causa perceberam, diante de reações que foram crescendo de intensidade ao longo do dia, que seria grande o risco de derrota. Recuaram ainda que um tanto timidamente, prometendo retomar o caminho da vergonha esta semana.

Como já foi devidamente lembrado, estes movimentos não são novos, mas ganharam força por conta dos avanços, no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Polícia Federal das apurações sobre o destino, incerto e um tanto duvidoso, de recursos movimentados através de emendas parlamentares. No mesmo bonde, sim, bonde, como costumam dizer os marginais, avançariam medidas como a exigência de aprovação prévia do Congresso para abertura de processos contra parlamentes e a extinção do foro especial e até limites à possibilidade de prisão em flagrante. Afinal e, em resumo, uma farra completa, ousadia de inéditas proporções, tudo com mal disfarçada concordância de situação e oposição, maioria convergente e ágil sempre que se trata de defender os próprios interesses. Tudo sem qualquer pudor, nem mesmo leve rubor.

Como foi dito acima, o que se imaginava é que a estas alturas a tarefa estaria consumada, o que só não aconteceu porque as reações foram fortes, ao ponto de intimidar os patrocinadores da farra. Ficou no ar, no entanto, a hipótese de que tenha havido mais uma barganha, com a blindagem trocada pela tão falada anistia, que, neste caso, significaria também algo como um salvo conduto para parlamentares enredados. Um “passar o pano” de efeitos que, igualmente, não podem ser tolerados.

Nada que possa, afinal, ser confundido com defesa, em tese pertinente, da imunidade parlamentar, conceito, se intacto, essencial à normalidade política, mas corrompido e, assim, transformado em silenciosa garantia de impunidade. Nada também que de alguma forma corresponda ao discurso vazio de que toda a movimentação visaria apenas resgatar a autonomia do Legislativo e, consequentemente, o devido equilíbrio entre os três poderes, trazendo mais independência à Câmara e ao Senado.

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Concluindo, sobra a conclusão de que o momentâneo recuo não indica reversão das expectativas, o que recomenda que olhos atentos permaneçam em integral vigilância.

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