Ambientalistas, Ministério e ONU criticam proposta de lei

PL da Devastação. É assim que muitos ambientalistas e membros da comunidade científica definem o projeto de lei que propõe a criação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, sob o argumento de que a flexibilização dos processos abrirá ainda mais caminho para a destruição do meio ambiente.
- Leia também: Lei Geral do Licenciamento: flexibilização e mais investimentos ou ameaça ao meio ambiente?
No mesmo dia da aprovação do PL no Senado, o Ministério do Meio Ambiente divulgou nota condenando o projeto, ressaltando que o texto “representa risco à segurança ambiental no País”. A Pasta também defendeu que o documento “viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental, consolidado na jurisprudência brasileira, segundo o qual o Estado não pode adotar medidas que enfraqueçam direitos”.
A ministra Marina Silva é crítica do projeto e tem feito alertas constantes quanto à sua aprovação. Ela também solicitou ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos), mais tempo para discussão na Casa e tem insistido nos riscos que enxerga nas novas regras, como uma possível guerra fiscal na atração de investimentos e uma judicialização em massa que poderá travar os aportes no País, em vez de acelerá-los.
“Não somos contra a atualização da Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Mas essa atualização não pode servir de desculpa para acabar com um dos principais instrumentos de proteção ambiental do nosso País”, afirma a ministra em publicação nas redes sociais.
O conteúdo continua após o "Você pode gostar".
O Observatório do Clima também se manifestou, argumentando que a proposta pode “resultar em desastres e riscos à saúde e à vida da população” e “omite a crise climática”. Mais recentemente, o governo brasileiro recebeu uma carta formal da Organização das Nações Unidas (ONU), questionando o projeto de lei e alertando para as consequências negativas caso ele seja aprovado como está. O texto menciona violações de direitos humanos, sobretudo contra os povos indígenas e as comunidades quilombolas, além de danos irreversíveis ao meio ambiente.
Daniel Neri sobre flexibilização do licenciamento ambiental: “Um retrocesso que acelera o colapso”
Para o professor e pesquisador Daniel Neri, a Lei Geral de Licenciamento Ambiental representa um ataque direto à Constituição Federal e um grave retrocesso na política ambiental brasileira. Ele destaca que o artigo 225 da Constituição é claro ao garantir o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que qualquer mudança estrutural nessa área só poderia ocorrer por meio de emenda constitucional, e não por lei ordinária. Por isso, acredita que o desfecho da discussão será inevitavelmente judicializado no Supremo Tribunal Federal (STF).
Ele critica a narrativa de que o novo marco traria mais segurança jurídica, argumentando que essa promessa é enganosa e serve apenas para mascarar o enfraquecimento das regras de proteção ambiental. Também afirma que a ideia de que um licenciamento mais ágil representa maior proteção é uma falácia perigosa. “Eles falam o tempo todo em segurança jurídica, mas segurança para quem? Para quem quer destruir, explorar sem limites? Não existe licenciamento ambiental rápido que signifique mais proteção. Pelo contrário: quanto mais rápido, menos aprofundado, menos estudo, menos cuidado. É correr para aprovar sem olhar os impactos reais”, alerta.
Neri ainda alerta para os impactos de longo prazo da flexibilização do licenciamento e reforça que o cenário atual exige a escolha entre dois caminhos: o colapso ou o adiamento desse colapso, pois o projeto de lei “é um retrocesso que acelera esse colapso”.
“Estamos em um momento crítico, com mudanças climáticas aceleradas, eventos extremos cada vez mais frequentes, e eles estão preocupados com o lucro, não com o futuro das próximas gerações. O que estamos tentando fazer é adiar o colapso, ganhar tempo para construir alternativas mais justas e sustentáveis. E esse projeto de lei vai exatamente na direção contrária: retira as proteções, enfraquece o licenciamento e desmonta os instrumentos de controle. Não há meio-termo possível. Ou se protege, ou se destrói. E o que eles estão propondo é destruir. Enquanto o modelo de desenvolvimento for o lucro a qualquer custo, a financeirização acima de tudo, continuaremos nesse caminho suicida.”
“Estamos destruindo o ciclo da vida”, alerta de Apolo Heringer
Para o professor Apolo Heringer, criador do Projeto Manuelzão, a aprovação da Lei Geral de Licenciamento Ambiental representa uma ameaça direta ao equilíbrio ecológico e à segurança hídrica do País. “A vida na Terra levou bilhões de anos para se formar, com ecossistemas que propiciaram a biodiversidade, a água, a vida animal e vegetal. E estamos destruindo tudo isso para exportar commodities e gerar lucro para poucos”, afirma.
Segundo ele, o desmatamento crescente, aliado à retirada descontrolada de água subterrânea para o agronegócio, a mineração e a indústria, está levando o País a uma “seca subterrânea” — um fenômeno que considera pouco compreendido, mas de efeitos devastadores. “A crise hídrica não é só falta de chuva. É a seca subterrânea causada pelo bombeamento sem controle. O agronegócio, a mineração e a indústria estão sugando a água subterrânea como se fosse petróleo”, afirma.
Heringer critica duramente a lógica econômica que sustenta o avanço das fronteiras agrícolas e extrativistas, apontando que “o Brasil está exportando a própria água, sua biodiversidade, sua floresta, sem desenvolver tecnologia ou agregar valor”.
Para ele, a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, ao facilitar ainda mais o desmatamento e o uso intensivo de recursos, vai acelerar o colapso, já que o licenciamento ambiental funciona como o que chama de “último freio” e precisa ser tratado com seriedade. Por isso, considera a situação um retrocesso irreversível: “Essa lei vai acabar com as camadas de proteção. Vai retirar a necessidade de anuência do ICMBio, eliminar as consultas às comunidades tradicionais e reduzir o processo de licenciamento a um simples protocolo. Eles querem transformar tudo em formalidade, sem ouvir ninguém. Não há meio-termo. Já estamos no limite desde 1500, e agora é questão de sobrevivência”, enfatiza.
O pesquisador também denuncia que a nova lei enfraquece instrumentos fundamentais de proteção, como a gestão por bacias hidrográficas e a preservação das áreas de recarga de aquíferos. “Hoje, mais vale água do que terra. A gestão das bacias deveria garantir água para a economia, mas o que estamos vendo é um suicídio coletivo. Eles estão destruindo as matas, acabando com a água, e o povo mais pobre é o primeiro a sofrer: sem água, sem peixe, sem produção agrícola”, afirma.
O impacto nas comunidades tradicionais, ribeirinhas e nos pequenos produtores será devastador segundo Heringer: “É uma guerra econômica contra o povo pobre. Eles ganham dinheiro com a destruição, enquanto o povo passa fome e sede. Estamos destruindo o ciclo da vida e criando um deserto. Ou paramos agora, ou o colapso será inevitável”, conclui.
Ouça a rádio de Minas