Economia

“Mineral do futuro”, lítio transforma a vida de municípios em Minas Gerais

Cerca de R$ 6 bilhões já foram investidos por mineradoras na região; governo prevê somar R$ 30 bi nos próximos seis anos
“Mineral do futuro”, lítio transforma a vida de municípios em Minas Gerais
O “mineral do futuro” está presente em abundância no Norte e Nordeste do Estado e as áreas passaram a ser a “menina dos olhos” das empresas | Crédito: Divulgação/ Sigma

O desenvolvimento de Minas Gerais foi notavelmente heterogêneo no decorrer do tempo, refletindo em estágios distintos de configuração socioeconômica entre regiões. O Norte e o Nordeste do Estado, por exemplo, sempre foram evidenciados pelos altos índices de pobreza. Este quadro, entretanto, pode ser alterado ao longo dos próximos anos pela presença do lítio.

Fundamental para a transição energética mundial, o “mineral do futuro” está presente em abundância na região. Consequentemente, a área, que até então era historicamente carente de aportes privados, passou a ser a “menina dos olhos” das mineradoras. Pensando em impulsionar a ida dessas companhias para as cidades, o governo estadual lançou, mundialmente, o Vale do Lítio.

O projeto econômico-social, cujo objetivo é desenvolver os municípios do Norte e Nordeste em torno da cadeia produtiva do lítio, foi apresentado na Nasdaq, nos Estados Unidos, no dia 9 de maio de 2023. Prestes a completar um ano, a iniciativa já está superando a casa dos R$ 6 bilhões de investimentos atraídos, segundo o CEO da Agência de Promoção de Investimento e Comércio Exterior de Minas Gerais (Invest Minas), João Paulo Braga, promovendo benefícios à população.

Gerando empregos, renda e oportunidades de empreendedorismo, ele destaca que duas empresas já operam na região, a Companhia Brasileira de Lítio (CBL) e a Sigma Lithium. E, no período dos próximos oito a 12 meses, outras três devem começar os trabalhos: a Lithium Ionic, Latin Resources e Atlas Lithium. Logo, mesmo com a maioria dos projetos ainda não operacionais, para o executivo, a importância do programa é tão grande que se torna difícil de mensurar. 

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“O Jequitinhonha, no ano passado, foi a região que mais registrou abertura de novas empresas. Estamos falando de pequenos negócios que vão movimentar a economia por meio de padarias, lanchonetes e hotéis, tanto em Salinas quanto em Araçuaí. Isso é o transbordamento do desenvolvimento econômico da região, e ainda estamos apenas no início do projeto”, disse.

Dados da Junta Comercial de Minas Gerais (Jucemg) mostram exatamente o que Braga destaca. Em 2023, o Jequitinhonha/Mucuri apresentou o maior crescimento no número de empresas abertas em Minas Gerais em relação a 2022. Na região, 1,9 mil negócios foram constituídos no ano passado, o que representa um aumento de mais de 18% frente ao exercício anterior (1,6 mil). 

Estado espera atrair novos projetos para a região

Conforme o CEO, embora o preço do lítio tenha caído substancialmente no último ano, o número de requisições de direitos minerários na Agência Nacional de Mineração (ANM) triplicou, dando indícios de que com os avanços das pesquisas, Minas Gerais terá novos projetos em torno do “petróleo branco”. Ele afirma que, dessa forma, o Estado espera alcançar a marca entre R$ 20 e R$ 30 bilhões em investimentos de exploração e beneficiamento do mineral até 2030. 

Vista aérea dos trabalhos de perfuração da Lithium Ionic em Itinga, Minas Gerais
Vista aérea dos trabalhos da Lithium Ionic em Itinga | Crédito: Reprodução/Site Lithium Ionic

Empenho e articulação para não desperdiçar a oportunidade 

Além da abordagem tradicional da Invest Minas na promoção de investimentos, há um empenho coordenado entre as secretarias estaduais para preparar o Vale do Lítio – formado por 14 cidades do Norte e Nordeste – para receber os projetos, segundo Braga. Este esforço passa pela criação de políticas públicas de habitação, educação e saúde, de modo a endereçar os problemas da região.

Adicionalmente, de acordo com o executivo, há uma articulação constante e permanente entre a agência, o Estado e as prefeituras para fazer tudo corretamente e não desperdiçar a oportunidade criada pela existência de lítio na região em um cenário de transição energética. Neste sentido, o dirigente ressalta que se não forem assertivos, podem acabar jogando fora um “bilhete premiado”.

Competitividade do Vale do Lítio passa por infraestrutura adequada

Ainda que o Vale do Lítio esteja prosperando e trazendo benefícios para o Norte e Nordeste de Minas Gerais, existe a necessidade de que o poder público invista em infraestrutura de qualidade para manter a competitividade local. É o que ressalta o especialista em mineração Wilson Brumer.

O ex-presidente do Conselho Diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) afirma que sempre gostou mais da palavra potencialidade do que “vocação”. Neste aspecto, ele recorda que o Jequitinhonha era historicamente visto com uma área com vocação para artesanato, no entanto, o que se observa atualmente no local é um potencial gigantesco para o setor mineral, algo que pode resolver, de fato, grande parte dos problemas socioeconômicos característicos da região.

Também ex-presidente da Vale e BHP Biliton no Brasil, Brumer pondera que, ao mesmo tempo que o governo estadual está entusiasmado com o Vale do Lítio, é preciso injetar recursos para melhorar, por exemplo, as estradas locais – muitas em condições precárias. Ele reitera que infraestrutura é parte da competitividade e que o lítio não está em abundância apenas em Minas Gerais, mas também em várias regiões do mundo, como na Argentina, Bolívia e Chile.

“Se não criamos condições competitivas, podemos perder mercado para esses países. Minas Gerais saiu na frente em relação a outros estados, mas, se as empresas instaladas na região não tiverem uma infraestrutura adequada, haverá perda de capacidade de competição. É fundamental que, neste momento, o governo crie um pouco de foco na melhoria da infraestrutura local”, disse.

Trecho da rodovia MG-342, em Araçuaí - Crédito Confederação Nacional do Transporte (CNT)
Trecho da rodovia MG-342, em Araçuaí | Crédito: Confederação Nacional do Transporte (CNT)

Investimentos em capacitação profissional também são necessários

As operações da CBL e da Sigma empregam milhares de pessoas no Vale do Lítio e a chegada de novas empresas criarão novas oportunidades de empregos. Por isso, o especialista defende que, além de infraestrutura, o governo invista na capacitação profissional da população regional. 

Segundo ele, é necessário qualificar os habitantes para operar os projetos e atender a demanda que está por vir. Brumer acredita que não haverá interesse das empresas em trazer colaboradores de outras regiões do País para os empreendimentos e que elas deverão aproveitar a mão de obra local, mas, para isso, os moradores precisam estar capacitados e prontos para a nova realidade. 

Iniciativas econômicas e sociais da Atlas e da Sigma fortalecem o Jequitinhonha

Entre os principais responsáveis pela transformação em andamento das cidades mineiras das regiões Norte e Nordeste, com um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) do Estado, estão a Sigma e a Atlas. A primeira está investindo na região desde 2012, mesmo começando a operar somente em abril de 2023, enquanto a segunda chegou no ano passado, e deve iniciar os trabalhos em breve, mas já está gerando benefícios para os municípios. 

Economicamente, no caso da Atlas, a empresa pretende investir R$ 750 milhões na extração e beneficiamento de lítio em Minas Gerais. Estima-se com o projeto, a abertura de cerca de 2,5 mil vagas de empregos, das quais 350 a 400 de forma direta. Além disso, quando estiver totalmente operacional, a previsão da mineradora é que o empreendimento seja capaz de gerar, por ano, em torno de R$ 90 milhões de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem)

Socialmente, a companhia também vem injetando recursos no Vale do Lítio. O consultor financeiro da Atlas, Rodrigo Menck, enumera as principais ações sociais da empresa na região:

“Apoio à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Araçuaí; parceria com a prefeitura para melhorias do acesso à água na zona rural, vias municipais urbanas e acessos municipais vicinais; reforma de alojamento de professores e de igrejas das comunidades da zona rural; palestras de educação ambiental nas escolas rurais; convênio de constituições de ensino para programa de estágio e um programa de trainee para inserção de mulheres na mineração”, elencou.

Trabalhos da Atlas Lithium em Araçuaí | Crédito Reprodução/Site Atlas Lithium

E a Sigma já investiu aproximadamente R$ 3 bilhões para extrair e beneficiar lítio no Jequitinhonha e deve aportar outros R$ 492 milhões em uma expansão produtiva. Em termos de postos de trabalhos, a mineradora criou mil empregou diretos e 13 mil indiretos. Tanto Araçuaí quanto Itinga recebem a Cfem gerada pelas atividades da empresa.

No que diz respeito a iniciativas sociais, o grupo concebeu diversos programas que beneficiaram e continuam beneficiando os moradores do Vale do Lítio. A companhia, inclusive, adotou o conceito de “capex social” para esse tipo de investimento por aportar mesmo sem auferir receitas durante anos, justamente visando deixar um legado na região e proporcionar um acolhimento populacional.

Projetos de inclusão produtiva para reintegrar a população à economia

A CEO da Sigma, Ana Cabral, realça que as ações sociais da empresa no Jequitinhonha foram acentuadas na pandemia quando se depararam com a situação de parte da região. Segundo ela, eram três mil famílias vivendo com menos de R$ 90 por mês, ou seja, 12 mil pessoas passando fome. Daí surgiu o Fome Zero, com a distribuição de cestas básicas. O programa, que está ativo até hoje, é responsável por fornecer, anualmente, mais de três milhões de refeições nas cidades.

Ela diz que, com o fim da crise sanitária, era preciso fazer a inclusão produtiva das pessoas na economia e, para isso, foram lançados os programas Dona de Mim e Seca Zero. O primeiro visa ofertar microcrédito para que as mulheres possam empreender. Já o segundo se refere a construção de reservatórios de captura de água da chuva para que os agricultores possam enfrentar a seca.

As mulheres puderam se empoderar economicamente com a iniciativa, o que por vezes as ajudavam a sair até mesmo de uma situação de violência doméstica. Os homens, que saíam de casa durante os meses de terra seca, passaram a poder ficar na região durante o ano inteiro.

“Foi uma reconstrução do tecido social, porque as ‘viúvas de marido vivo’ eram exatamente isso: os maridos saíam para cortar cana em outros lugares, às vezes voltavam, às vezes não, e as mulheres ficavam com as crianças e a responsabilidade da casa”, destaca a CEO. 

Planta da Sigma Lithium, no Vale do Jequitinhonha | Crédito: Divulgação/Sigma Lithium

Criação do Instituto Lítio Verde para demais iniciativas 

No ano passado, a Sigma lançou o Instituto Lítio Verde para ser responsável pelas iniciativas sociais mais distantes da atividade principal da mineradora. Ana Cabral afirma que o instituto está investindo em melhorias educacionais e na infraestrutura do Vale do Lítio.

Segundo ela, os trabalhos do instituto, em parceria com as prefeituras, envolvem o asfaltamento de 50 quilômetros de estradas entre Araçuaí e Itinga e a abertura de três escolas e uma creche – incluindo a criação do programa de horário integral e promovendo o enriquecimento acadêmico, pedagógico, cultural e o senso de pertencimento esportivo. O instituto, conforme a CEO, ainda trabalha para que o aeroporto da região tenha uma cobertura asfáltica adequada para as operações. 

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