Riscos político e fiscal podem afetar retomada da economia

25 de abril de 2020 às 0h11

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Crédito: REUTERS/Roosevelt Cassio

Brasília – A derrocada econômica gerada pela pandemia do coronavírus tem tido impacto mais rápido e agudo sobre as projeções para a atividade no Brasil do que o visto na crise financeira global de uma década atrás, movimento que ocorre em meio a uma virada da política fiscal e ao aumento da instabilidade política, combinação perigosa que pode comprometer uma futura recuperação da economia.

Desde que os mercados internacionais entraram em tendência de baixa, em meados de março – com claro impacto sobre a percepção acerca da economia e dos ativos brasileiros, analistas levaram apenas três semanas para passar a prever uma contração do PIB neste ano, segundo dados do relatório Focus do Banco Central.

A mediana das projeções levou um mês para ser reduzida em pelo menos 4 pontos percentuais – saindo de crescimento de 1,88% em 12 de março (início da tendência de queda nos mercados) para contração de 2,2% em 13 de abril.

Uma década atrás, quando o mundo mergulhou na até então maior crise financeira desde a Grande Depressão, tamanha deterioração nas expectativas demorou mais de oito meses para aparecer nos números da Focus.

Outras métricas dão ideia da profundidade do golpe à economia nesta crise. A atividade do setor de serviços do Brasil despencou em março, sofrendo o maior tombo desde o início da pesquisa 13 anos atrás. E a prévia da FGV para o índice de confiança da indústria indica queda para o menor valor da série histórica no mês de abril.

O pesquisador da Área de Economia Aplicada do Instituto Brasileira de Economia da FGV (Ibre-FGV), Marcel Balassiano, destacou a natureza particular da atual crise. “Todas são crises mundiais, mas essa não é uma crise econômica, é uma crise de saúde que tem impactos na economia. Então isso difere em tudo”, afirmou.

Países em todo o mundo têm mantido políticas de isolamento social e paralisação de indústrias, o que fez minguar o consumo e a atividade como um todo, com severos impactos nas cadeias de suprimento.

Para Balassiano, a expressiva deterioração das projeções econômicas decorre das incertezas em torno de quando haverá o afrouxamento e o posterior restabelecimento completo da circulação de pessoas, com a retomada das cadeias produtivas não somente no Brasil, mas no mundo.

A estimativa da Focus para o PIB, que atualmente aponta contração de praticamente 3% este ano, ainda é otimista perto da calculada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Dez dias atrás, o organismo divulgou que a economia brasileira deverá retrair 5,3% neste ano. Confirmado esse número, será o pior resultado anual de toda a série histórica disponibilizada pelo Banco Central e que compila dados do IBGE, a partir de 1962.

O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o País ainda não sentiu “coice externo” do coronavírus.

Em 2009, a economia retraiu 0,1%, depois de crescer 5,1% no ano anterior, quando houve o estouro da crise financeira.

Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, afirmou que os impactos adversos à economia neste ano não têm paralelo na história econômica local, o que explica a velocidade na qual as instituições passaram a rever suas projeções.

“Você não consegue classificar isso em nenhum tipo de crise. É uma coisa na qual você teria uma paralisação comparável a uma guerra, mas não há destruição do capital físico”, afirma.

Risco fiscal – Para além da discussão sobre os impactos econômicos imediatos da crise, o foco de preocupação se volta cada vez mais para o futuro da política fiscal e da agenda de reformas. Uma maior desconfiança nessas frentes pode atrasar a retomada dos investimentos privados e, por tabela, da recuperação econômica.

Nesse contexto, a perda de ascendência do ministro da Economia, Paulo Guedes, que ficou de fora da articulação inicial em torno de um plano de retomada pós crise, gerou preocupação entre analistas. A saída atribulada de Sergio Moro do cargo de ministro da

Justiça nesta sexta reforçou temores em relação ao futuro de Guedes no governo.
O governo aprovou uma série de medidas de aumentos de gastos para fazer frente ao colapso da economia por causa do isolamento social, e mesmo dentro do Executivo há receios sobre o efeito colateral mais à frente em termos de confiança do mercado financeiro e do setor produtivo em relação às contas públicas.

O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, renovou na semana passada sua previsão para o rombo primário neste ano, que se aproxima de R$ 600 bilhões, perto de 8% do PIB. Esse número contrasta fortemente com a previsão do mercado em janeiro, de déficit de pouco mais de R$ 82 bilhões.

“O Brasil está entrando na tempestade com uma posição fiscal fraca, que inclui déficits orçamentários estruturais e alta dívida pública, o que significa grandes desafios fiscais adiante”, disse o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno.

Rostagno prevê déficit primário disparando a 11,5% do PIB, que agora vai encolher 3,3% (ante estimativa anterior de -1,5%). A economia deverá despencar 8,5% no segundo trimestre, antes de se recuperar a partir do terceiro trimestre. “Mas é certo que os riscos permanecem inclinados para baixo (PIB mais fraco)”, ponderou. (Reuters)

Ativos financeiros são impactados pelo cenário

São Paulo – As incertezas sobre a política fiscal têm afetado não apenas as perspectivas para a economia, mas – de forma correlacionada – também os ativos financeiros.
O Credit Suisse avaliou nesta semana que o real está fora da lista de apostas a favor no mundo emergente devido à fragilidade da posição fiscal do Brasil durante um evento como a crise atual do coronavírus.

O JPMorgan vai na mesma linha e cita “crise política” como mais um fator a engrossar o caldo de entraves à recuperação econômica pós-Covid-19.

“Todos os países estão sofrendo uma contração do PIB e estão tendo que adotar medidas fiscais expansionistas para enfrentar o vírus. Mas a política brasileira pesará cada vez mais nas perspectivas”, disseram estrategistas do banco em relatório desta semana.

“Os mercados brasileiros agora estão acompanhando o fluxo global (e ainda com baixo desempenho), mas, quando chegar o momento da diferenciação, a preocupação é que uma desaceleração macro abra caminho para erros de política, antecipando um debate político que só deve ocorrer mais perto das eleições presidenciais de 2022.” (Reuters)

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