Nova York – A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou ontem, por maioria expressiva, uma resolução repreendendo a invasão russa da Ucrânia e cobrando que Moscou retire imediatamente todas as suas forças da Ucrânia, em um movimento que visa isolar diplomaticamente a Rússia na entidade.
A resolução, que obteve o apoio de 141 dos 193 membros do organismo global, foi aprovada ao final de uma rara sessão de emergência da Assembleia Geral convocada pelo Conselho de Segurança da ONU, no momento em que forças russas bombardeiam cidades da Ucrânia, forçando centenas de milhares de pessoas a fugir.
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O texto da resolução “deplora” a “agressão” da Rússia contra a Ucrânia. A última vez que o Conselho de Segurança havia se reunido em uma sessão de emergência da Assembleia Geral foi em 1982, segundo o site da ONU.
Trinta e cinco membros, incluindo a China, se abstiveram, e cinco países, incluindo Rússia, Síria e Belarus, votaram contra a resolução. Embora as resoluções da Assembleia Geral não sejam vinculantes, elas têm peso político.
A Rússia destruiu infraestruturas críticas, incluindo de água potável e gás, para milhões de pessoas e parece estar se preparando para intensificar a brutalidade da sua campanha contra a Ucrânia, disse a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Linda Thomas-Greenfield, em discurso à Assembleia Geral.
“Este é um momento extraordinário”, disse Thomas-Greenfield. “Agora, mais do que em qualquer outro momento da história recente, a Organização das Nações Unidas está sendo desafiada”, disse, fazendo um apelo: “Vote sim se você acredita que os Estados-membros da ONU – incluindo o seu próprio – têm direito à soberania e à integridade territorial. Vote sim se você acredita que a Rússia deveria ser responsabilizada por suas ações”.
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Sanções – Após quase uma semana, a Rússia ainda não atingiu o seu objetivo de depor o governo da Ucrânia, mas está enfrentando uma reação sem precedentes do Ocidente, cujas sanções derrubaram o sistema financeiro russo, e multinacionais gigantes tiraram investimentos do país.
Washington impôs várias rodadas de sanções, incluindo contra o presidente russo Vladimir Putin e ao banco central, desde que as forças da Rússia invadiram a Ucrânia no maior ataque contra um Estado europeu desde a Segunda Guerra Mundial. Moscou classifica o ataque como uma “operação especial”.
O embaixador da Rússia na ONU, Vassily Nebenzia, negou que Moscou esteja mirando civis e alertou que a adoção da resolução pode levar a uma escalada ainda maior.
Investidores temem calote de dívida
Londres – Com grande parte das reservas de US$ 640 bilhões de Moscou detidas no Ocidente e sanções atrapalhando o fluxo de capital entre fronteiras, investidores temem que a Rússia esteja se encaminhando para seu primeiro calote de dívida soberana em moeda forte.
Ontem, investidores estrangeiros estavam efetivamente presos com suas posições em títulos denominados em rublos – conhecidos como OFZs – após o banco central russo interromper temporariamente o pagamento de cupons e o sistema de liquidação Euroclear parar de aceitar ativos russos.
Um calote da dívida em rublo tem precedentes – Moscou renegou as OFZs durante sua crise financeira de 1998, mas mesmo naquela ocasião manteve o pagamento dos títulos em dólar. Antes das últimas sanções devastadoras do Ocidente que congelaram ativos do banco central, um default desse tipo não estava no radar de ninguém.
Isso se deve em parte ao fato de a Rússia, que classifica suas ações na Ucrânia como uma “operação especial”, ter apenas US$ 40 bilhões em títulos internacionais em 15 emissões denominadas em dólar ou euro – volume muito baixo em comparação aos seus pares e ao seu próprio Produto Interno Bruto.
Os títulos no geral vinham sendo negociados bem acima do seu valor nominal até meados de fevereiro, com investidores ignorando o acúmulo de tropas de Moscou na fronteira com a Ucrânia e os alertas dos EUA de que uma invasão era iminente.
Duas semanas depois, investidores de títulos agora avaliam que um calote não é mais uma perspectiva distante. O prêmio de risco da Rússia disparou e os swaps de inadimplência de crédito – derivativos usados para garantir proteção contra a exposição – estão em valores recordes.
E alguns títulos em dólar agora estão precificados abaixo dos US$ 0,30, com um volume abismal de negociações.
Estrangeiros, que detêm cerca de metade da dívida da Rússia em moeda forte, estão focados em 16 de março, quando o país precisaria pagar US$ 07 milhões em cupons de dois títulos.
“A Rússia pagará ou não? Há uma incerteza muito significativa neste momento, após as sanções aplicadas ao banco central da Rússia e ao ministério das Finanças”, disse Marcelo Assalin, diretor de mercado de dívida emergente na empresa de serviços financeiros William Blair, em Londres, que detém parte da dívida russa.
O JP Morgan e o grupo global de lobby bancário Instituto de Finança Internacional (IFI) alertaram que há um crescimento significativo do risco de que a Rússia possa estar se dirigindo para seu primeiro calote de dívida externa.
Depois de 16 de março, mais US$ 359 milhões devem ser pagos no dia 31 deste mês relativo a um bônus 2030. O primeiro pagamento de principal está previsto para 4 de abril, quando vence um título de US$ 2 bilhões.
Sem Swift – Em teoria, a Rússia tem amplas reservas para cobrir dívidas. Na prática, o congelamento de ativos reduziu o que o banco central tem disponível para os pagamentos.
Em segundo lugar, executar os pagamentos será mais complicado após sanções limitarem o acesso de Moscou ao sistema de pagamentos global Swift. E, por fim, o congelamento de ativos prejudica a habilidade da Rússia de defender a sua moeda, aumentando o custo da dívida externa.
“Congelar reservas cambiais pode enfraquecer bastante o rublo e aumentar os temores de um calote para soberanos e corporativos”, disse Dirk Willer, diretor de macro, alocação de ativos e estratégia de mercados emergentes no Citi em Nova York.
O banco central e o ministério das Finanças não responderam ao pedido da Reuters por um comentário sobre a possibilidade de calote. (Reuters)
Brasil reafirma posição de defesa do cessar-fogo
Brasília – O embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), Ronaldo Costa Filho, disse ontem que a aplicação indiscriminada de sanções à Rússia não leva à reconstrução do diálogo, e reafirmou a posição do país em defesa do imediato cessar-fogo.
As declarações do representante diplomático brasileiro ocorreram minutos após a Assembleia Geral da ONU ter adotado uma resolução – com o apoio do Brasil – repreendendo a invasão russa da Ucrânia e que cobra de Moscou a imediata retirada de todas as suas forças da Ucrânia.
“A resolução não pode ser vista como algo que permita a aplicação indiscriminada de sanções. Essas iniciativas não levam à reconstrução do diálogo diplomático e ela traz consequências que vão além da situação atual”, disse Costa Filho.
O embaixador disse ter apreciado o trecho da resolução em que diz que as partes devem respeitar a lei humanitária internacional para garantir a segurança dos civis e de quem presta trabalho humanitário.
Mas o representante diplomático disse que a resolução não vai longe em relatar que há uma série de hostilidades e que é “apenas o primeiro passo para alcançar a paz”. Ele destacou que a “paz sustentável” precisa de passos adicionais e lamentou o apoio da ONU em encontrar culpados.
“É algo apoiado pela comunidade internacional, mas a paz exige a retirada de tropas e também trabalho amplo das partes para o consenso. A única pré-condição deveria ser o cessar-fogo”, disse.
Para Costa Filho, todas as partes devem mostrar “flexibilidade e compreensão” e as soluções devem ser colocadas à mesa e estabelecidas por meio do diálogo. Ele conclamou aos atores que diminuam os ataques e as tensões e se engajem em um acordo diplomático entre Rússia e Ucrânia de forma a contribuir para o estabelecimento da segurança e estabilidade da região.
“Estamos prontos a trabalhar de forma resoluta em discussões nessa assembleia e em outros fóruns a esse respeito”, finalizou.
A fala do embaixador brasileiro na ONU repete a linha que vem sendo adotada pela chancelaria brasileira de condenar a invasão russa à Ucrânia, iniciada na semana passada durante reunião do Conselho de Segurança da ONU.
As declarações, contudo, contrastam com a posição de neutralidade que o presidente Jair Bolsonaro tem tido em declarações públicas sobre o conflito. Bolsonaro, que pouco antes do início da guerra visitou o líder russo, Vladimir Putin, em Moscou, tem alegado a dependência do Brasil a fertilizantes para não condenar a atuação da potência militar.