A extinção do DPVAT não é uma boa

19 de novembro de 2019 às 0h01

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Crédito: REUTERS/Nacho Doce

Cesar Vanucci *

“Mais uma vez, opta-se por jogar água do banho fora com o bebê também indo pelo ralo.” (Jornalista Jairo Marques, criticando a extinção do seguro)

Com uma só canetada o DPVAT foi extinto. Em meu modo de ver, não foi uma boa. Não consigo atinar, em lisa verdade, das razões que levaram o governo a uma decisão que me parece desprovida, por inteiro, de bom senso e sensibilidade social. Virtudes que, aliás, andam um tanto quanto escassas, hora presente, na lista dos atos exarados pelo Poder Executivo.

Da leitura do noticiário nosso de cada dia esboça-se uma tentativa de explicação para a inesperada e descabida supressão do seguro. Ela não pode, definitivamente, exprimir realidade. A coisa cheira mais, pura e simplesmente, a uma “intriga da oposição”, como era de costume dizer-se em idos tempos. A canetada derivaria de represália adotada com vistas a atingir interesse do dirigente máximo do PSL, deputado Luciano Bivar, reconhecido, até indoutrodia, a partir da vitoriosa campanha eleitoral do ano passado, como parceiro político incondicional do presidente Jair Messias Bolsonaro. As incandescentes divergências vindas à tona, em razão da disputa pelo comando da sigla, teriam tudo a ver com o procedimento assumido. Seja como for, descartada essa conversa por estapafúrdia mesmo em tempos confusos como os de agora, resta de sobra a conclusão de que o cancelamento do DPVAT não foi medida acertada, bem pensada, fruto de reflexão amadurecida. As consequências sociais se revelarão, a curto prazo, inapelavelmente, danosas. Muito danosas. É bom fixar os olhares nas estatísticas relativas ao seguro.  O fim do DPVAT arremeterá legiões imensas de acidentados para a “beira do desumano”, como registra em lúcido comentário, na “Folha SP”, o jornalista Jairo Marques.

O DPVAT brotou de emergência social decretada pelas condições caóticas do trânsito em nossas ruas e estradas. Medida protetiva de razoável eficácia, essa modalidade de seguro vem proporcionando, anos a fio, benefícios de extraordinária relevância a milhares e milhares de pessoas. À sua falta, multidões ficarão desguarnecidas diante dos riscos de acidentes causados por veículos automotores. Acidentes esses, como ninguém desconhece, que assumem entre nós proporções de calamidade pública. Motoristas, passageiros, transeuntes ficarão expostos a transtornos sem conta em suas demandas por atendimentos médicos e hospitalares e reparações pecuniárias nos casos de danos eventualmente sofridos. Como é fácil de imaginar, os litígios judiciais decorrentes de indesejáveis eventos de trânsito crescerão vertiginosamente, elevando a níveis ainda mais desassossegantes o congestionamento de processos nos juizados. O DPVAT – sabido é – funciona como amortecedor numa quantidade considerável das questões que envolvam danos pessoais causados por desastres automobilísticos.

O já citado jornalista Jairo Marques, nas considerações que alinha a propósito da inoportunidade da extinção desse tipo de seguro, lembra algo muito significativo. “Para milhares de pessoas, nos últimos anos  – registra -, o básico para as despesas depois de um acidente – e entenda-se o básico como aquilo que irá  oferecer alguma dignidade diante de uma carcaça abalada – veio após o recebimento do DPVAT, ora extinto em uma canetada. Se há fraudes no sistema, não parece justo que se envergue a ponta mais frágil, quebrada, abaulada para eliminar o problema. Mais uma vez, opta-se por jogar água do banho fora com o bebê também indo pelo ralo”.

O impacto da decisão governamental pode ser melhor aquilatado com a leitura de alguns dados estatísticos referentes às operações do DPVAT. Somente em 2018, mais de 320 mil indenizações foram pagas nos três tipos de cobertura: Morte, Invalidez Permanente e reembolso de Despesas de Assistência Médica e Suplementares. Do total de indenizações pagas no ano passado, 70% foram para acidentes de trânsito com vítimas que adquiriram algum tipo de invalidez permanente. Somaram mais de 228 mil as ocorrências nessa cobertura. Representando 27% da frota nacional, as motocicletas foram responsáveis por cerca de 75% das indenizações totalizando mais de 246 mil pagamentos.

*  Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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