Crônica de uma tragédia anunciada

15 de fevereiro de 2020 às 0h01

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Crédito: Pedro Gontigo/Imprensa MG

Tião Lopes *

Fortes chuvas assolaram a capital mineira e região metropolitana (RMBH) nos últimos dias. Conforme o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), somente no mês de janeiro, foram 942,3 mm, sendo 183% a mais que o esperado. Os córregos não suportam o volume de água e transbordam, arrastando tudo. As mudanças climáticas são manchetes em jornais e a preocupação ocorre com as cenas de destruição. As providências urgentes devem ser tomadas, tanto pelo poder público quanto pelo cidadão.

O desenvolvimento urbano não respeitou o trajeto dos cursos d’água, retificando e impermeabilizando canais e solos ao redor. As matas ciliares, companheiras dos córregos, rios e ribeirões, deram lugar a ocupações, sendo muitas delas espontâneas e sem qualquer infraestrutura adequada. As águas limpas se transformaram em despejo para lixo e esgoto.

Belo Horizonte tem cerca de 700 quilômetros de cursos d’água, sendo que mais de 200 deles são canalizados, dificultando a absorção da água da chuva pelo terreno e aumentando a velocidade das correntezas. A rede de drenagem pluvial, incluindo o rio Arrudas e  os córregos do Acaba Mundo e Leitão, entre outros, está no limite, comprometendo o atendimento ao excesso pluviométrico. Os dois córregos e as tubulações precisam ser redimensionados com novos parâmetros para funcionarem com uma efetiva e eficiente rede de drenagem pluvial para atender a cidade.

A Capital foi criada em 1897 e, em 1900, já ocorreu sua primeira inundação. Belo Horizonte está situada em uma região de clima tropical de montanha e, nestes 123 anos, sempre foi impactada por chuvas intensas em diferentes datas, provocando enchentes de grande intensidade. A precipitação pluviométrica comprometeu ainda mais o problema, devido ao aumento de terrenos impermeáveis e ao excesso de descarte irregular de lixo.

O poder público deve priorizar pavimentos drenantes, jardins verdes pela cidade e uma cultura de educação ambiental. O cidadão também deve fazer sua parte. O lixo precisa ser destinado de modo correto. Alguns estudos já mostram que 80% dos bairros de Belo Horizonte estarão vulneráveis às variações climáticas se a situação não mudar até 2030. A mudança deve começar agora para evitar tragédias ainda maiores.

Todo plano diretor de uma cidade precisa ser atualizado periodicamente e em todas as suas disciplinas técnicas. A cidade é um organismo vivo e está sempre mudando suas exigências urbanísticas. As variáveis norteadoras das definições e dimensões de avenidas, ruas, praças, jardins, do sistema de transporte (mobilidade urbana), do sistema elétrico e de drenagem pluvial etc. são bem diferentes daquelas quando a cidade foi criada.

Um plano diretor corretivo, elaborado por uma equipe interdisciplinar (profissionais de diferentes áreas técnicas), focado na valorização histórica municipal e de seus valores culturais, assim como do patrimônio arquitetônico e urbanístico, permitirá implantar correções e atualizações adequadas para prevenir novas enchentes e tragédias.

*Urbanista e sócio-proprietário da Arqsol Arquitetura e Tecnologia

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